segunda-feira, 25 de novembro de 2013

24/Novembro/1949

Há exactamente 64 anos, António e Maria da Glória receberam a sua única menina.

O tempo estava mau, e nesse dia os salpicos salgados das vagas chegavam aos vidros das janelas, nas casas na Calheta onde hoje o mar já não bate - não bate, pois foi empurrado para longe como um vizinho indesejável.

António e Maria da Glória receberam encantados a sua menina. Casados já há quatro anos, quase cinco, depois de muitas novenas rezadas e algumas visitas ao médico já pensavam que nunca seriam abençoados com descendência; ficaram, assim, todos contentes com a dádiva recebida!

Que posso dizer, eu que sou essa menina agora com 64 anos, àqueles que tudo me deram, por mim tudo fizeram, e incondicionalmente me amaram até ao fim - mesmo nos momentos em que não foi fácil amar-me?


 Obrigada! Obrigada por tudo, meus pais. Eu bem que queria dizer mais, mas não conheço as palavras. Acho que em português só existe mesmo esta, que por vezes parece tão fraca: obrigada.

Fiquem bem.
Também vos amo muito.
Até um dia destes!!

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Ómega ou omega?


Ómega, ou Omega?

Há algum tempo comprei, num determinado estabelecimento  comercial,  um relógio de pulso. Tentando explicar ao vendedor o tipo de objecto que me interessava, fui dizendo que de facto não pretendia um relógio Omega (sinónimo de grande qualidade  e preço elevado) mas apenas algo que fosse funcional, modesto e de preço módico. De modo muito cortês, usando um tom de voz baixo e suave  - decerto no receio de algum melindre - o jovem corrigiu-me: Ómega, minha senhora.

Como além de ser provavelmente a única professora de Física e Química viva que pronuncia nanometro ao invés de nanómetro (e não chego ao extremo de dizer “quilometro” porque ninguém me entenderia, evidentemente, isto muito embora todos entendam quilograma e não digam quilógrama) também devo ser das poucas pessoas, ao menos nos círculos onde me movimento, que pronuncia omega e não ómega.

Não aprendi grego, disciplina que no meu tempo já não se considerava como fazendo parte das aprendizagens essenciais que todo o aluno português deveria realizar, nem sequer latim, ambas as línguas fazendo bastante faltinha a um bom domínio do próprio e materno idioma - mas cheguei mais ou menos por conta própria, e por ter tido um pai que muitas e muitas vezes me mandou ir procurar assuntos  às gramáticas e dicionários em vez de me dar papinhas feitas, a conhecer o alfabeto grego, bem como algumas palavras e estruturas frásicas simples. E foi assim que aprendi que no dito alfabeto existem dois "os": um "o" breve, de curta duração pois, chamado òmicrón  (O, o), e um outro "o", longo, o omega (Ω, ω), cujo nome tem o significado exacto de “o” grande, no sentido temporal.  Megalito (que alguns também pronunciarão megálito) e megalómano,  e o tão conhecido megabyte que nem português é mas se percebe perfeitamente, apresentam o mesmo mega, como prefixo, sempre  com o  significado de “grande”.

Lá vim para casa, de relógio novo no pulso e alguma mágoa no coração, não por ter sido corrigida pelo vendedor nem sequer por não trazer comigo um belo relógio Omega em vez de uma cebolita que me custou vinte euros,  mas sobretudo por não compreender como é que se instalam estes desacertos, e de tal maneira que enquanto estou a escrever estas linhas o próprio word já me alterou a acentuação gráfica várias vezes, no òmicrón retirando-a, e no omega colocando o negregado acento agudo no “o”, que não pretendo pôr, mas ele entende que deveria.

Lá dei a voltinha às gramáticas de grego, às velhas gramáticas de meu pai, onde confirmei o atrás exposto, e também as dei na internet, onde a maior parte dos sites reza pela mesma cartilha do funcionário da relojoaria, sendo brasileiros grafando até “ômega”,  e somente num encontrei tratar-se de palavra paroxítona,  omega pois, tal como aprendi.

Vem algum mal ao mundo de se dizer ómega, megálito, leucémia, glicémia e mais umas pérolas assim? Sim, vem, pois revela a superficialidade do nosso ensino.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

O vitelinho e sua mãe

Talvez eu própria viva num mundo onde reina uma certa ilusão e fantasia, o mundo onde se pensa "que as alfaces nascem nas prateleiras dos supermercados", como respondeu uma criança citadina a quem se perguntou onde nasciam as ditas. Decerto por nunca ter vivido (e meus pais também não, muito embora meus avós sim) ligada directamente à agricultura ou pecuária como vivem muitos dos açorianos, certos aspectos chocam-me como bofetadas ao ser forçada a sair de um certo romantismo que muitas vezes quem está de fora associa à vida do campo, e encarar a realidade de um modus vivendi que não deixa de ter, convenhamos, aspectos menos simpáticos. Este de manter a produção de leite à custa do nascimento de vitelos excedentários, destinados à partida a um abate sem sentido, é certamente um deles, e faz-me pensar se, e por uma razão agora já não meramente nutricional, não seria boa ideia deixarmos de ser o único mamífero que, mesmo adulto, continua a procurar proteínas fáceis e cálcio fácil  no leite de uma outra "mãe".
http://ww1.rtp.pt/acores/index.php?article=7048&visual=3&layout=10&tm=5