Pedra… serrada, ou não?
La construction en pierre tombe en désuétude à partir des
années 1930, date à laquelle le béton armé (inventé en 1900), et l'acier,
commencent à être massivement utilisés. Dorénavant, les tailleurs de pierre,
qui étaient « bâtisseurs », se concentrent alors sur la restauration des
édifices en pierre existants. (da wikipedia)
As pedras para construção, após extraídas da pedreira, no
processo dito de desmonte, são em seguida submetidas à chamada lavra ou
lavoura, que pode ser manual ou feita com recurso a processos mecânicos.
A lavra manual para o aparelhamento da pedra, cansativa e
difícil – tanto mais cansativa e difícil quanto mais dura é a pedra em questão
– tem vindo a ser substituída, um pouco por todo o lado, pela lavra mecânica. No
arquipélago dos Açores, nomeadamente, o duro basalto local começou a ser
trabalhado deste modo ainda na década de setenta do séc. passado, na cidade da Ribeira
Grande, ilha de S. Miguel, pela empresa hoje denominada José Dâmaso e Filhas. Com
a mecanização da lavra conseguiu-se, obviamente, uma maior rapidez na execução
dos trabalhos e, consequentemente, um custo inferior na
produção; mas o ofício de canteiro, já muito abalado pela proliferação do uso
do betão, foi caindo ainda mais em desuso,
dada a preferência que rapidamente começou a ser dada ao material “novo” - ou
seja, à nova forma de trabalhar um material muito velho.
As chapas de pedra serrada, de grande facilidade de
aplicação, ao invés das antigas lajes de cantaria manual, mais irregulares, constituem
hoje importante volume na produção das empresas, conjugando-se perfeitamente com
ambiências modernas, sobretudo na pavimentação de pátios, caminhos particulares
- de acesso a garagens, por exemplo - mas também no revestimento de paredes,
tanto exteriores como interiores. Infelizmente, em certos casos, a estética tem
perdido para a poupança de alguns tostões, sendo as chapas-mosaico fornecidas sem
tratamento de regularização e aplicadas aparentemente também sem selecção
rigorosa, desta forma notando-se com certa frequência, aqui e ali na obra
acabada, os sulcos deixados pelas rodas de serrar.
Pareceria da maior e mais clara evidência, contudo, que a
pedra serrada por máquinas não constitui material aplicável no restauro de
obras antigas de cantaria manual, não pela natureza do mesmo, que é idêntica à
do usado no momento da construção, mas pelo aspecto regular e aspereza das suas
arestas e linhas rectas, que a pedra trabalhada (lavrada) à mão não apresenta,
nem pode apresentar.
Muitos assim não pensarão, pelos vistos, e bastante me tem entristecido
constatar que em várias ilhas açorianas o procedimento atrás descrito - aplicação de pedra serrada mecanicamente nos
arranjos levados a efeito em construções
antigas - tem vindo a ser largamente utilizado, custando a crer até que
tais projectos, e isto quando respeitantes a obras públicas, possam ter sido
propostos por arquitectos licenciados, que ao menos uma cadeirita de Conservação
e Restauro hão-de ter frequentado durante os respectivos estudos! Desta
presunção, que é aliás válida para as boas escolas portuguesas (veja-se, por
exemplo, o plano curricular da licenciatura em Arquitectura do Instituto
Superior Técnico), decorre a suposição de que deveriam ser capazes de distinguir
perfeitamente para onde propor uma obra de restauro, e para onde propor obra
nova, o que nem sempre acontece, como se vê. Quanto às obras particulares,
essas, estão geralmente entregues ao maior ou menor bom senso dos proprietários,
que muitas vezes nem chegam a pedir o licenciamento municipal; mas mesmo quando
o pedem, quer-me parecer que não seriam as nossas Câmaras, tantas vezes as
primeiras a dar o mau exemplo, a não autorizar a colocação da pedra serrada em situações
e locais menos apropriados.
Ao invés de muito do que tem sido feito, que deve, pois, ser
feito, por quem tiver entre mãos a responsabilidade da reconstrução ou restauro
de obra antiga? Sugere-se que procure canteiros capazes de talhar as pedras
porventura em falta, ou danificadas, à moda do passado - ou seja, à mão,
resistindo ao facilitismo da mera colocação de pedra serrada. Tarefa difícil, talvez,
mas não impossível; se eu própria já consegui obter pequenas vitórias nesse
campo, procurando persistentemente por entre os velhos pedreiros das nossas
freguesias rurais, que um certo entendimento do progresso tornou obsoletos e, é
certo, raros - sem dispor das facilidades nem do financiamento de que dispõem
os serviços oficiais, é de crer que muito mais facilmente do que eu estes o
conseguiriam, se assim o quisessem, já se vê.
O reactivar de uma profissão antiga, em vias de desaparecimento
completo, possibilitando a esses velhos mestres o fazer escola na transmissão
dos seus conhecimentos aos jovens, muito iria contribuir também para a
manutenção de um dos nossos aspectos culturais que reputo mais interessantes -
o modus faciendi da lavra manual da
pedra, base da arquitectura tradicional açoriana - como também para a
diminuição do desemprego e da desocupação que grassam entre os jovens, não
sendo aliás difícil listar ainda mais algumas vantagens, nomeadamente de ordem
ambiental e da hoje tão falada (embora pouco compreendida) sustentabilidade.
Muito seria de desejar, pois, que tanto os nossos governantes
como os nossos particulares evitassem esta mistura de alhos com bugalhos que
tanto desfeia as lindas ilhas açorianas aos olhos de quem nos visita - mas
também, e sobretudo, aos olhos de quem cá vive porque as escolheu para viver
com qualidade, entre todos os lugares possíveis de um mundo que ainda é vasto.
Abril 2013
Maria Antónia Fraga
(Publicado no Jornal “O Monchique” (30 /Abril/ 2013)