sexta-feira, 2 de abril de 2010

Lembro-me...

...de ter andado na faculdade de Agronomia e Silvicultura da Universidade de Luanda, isto nos tempos em que era meu objectivo conciliar a paixão pelas árvores com o amor ao ensino e ao ensinar. Como seria bom, pois, ensinar os jovens a popular as terras áridas com as boas e frondosas árvores que tudo nos dão, desde frutos a sombra, desde calor às fortíssimas traves - sustentáculo dos telhados e das paredes das casas, desde oxigénio a beleza para os olhos e abrigo para os passarinhos. E nem se falava ainda em aquecimento global, nem nos excessos de dióxido de carbono ou metano na atmosfera. Que tempos de inocência aqueles!

Nesses tempos, iniciei o curso com várias disciplinas interessantes, entre elas uma tal Botânica Agricola, em que se leccionavam temas de fisiologia vegetal. Agarrei-me ao assunto com entusiasmo, e lá fiz os testes escritos correspondentes, tendo obtido a média de dezasseis, que por acaso foi a mais elevada da turma. Já me via como engenheira silvicultora, conduzindo de botas de cano alto um batalhão de trabalhadores num campo desértico, com o verde futuro na imaginação. Entretanto, tinha de ir, antes de tudo isso, defender o meu precioso dezasseis...

Lembro-me de estar sentada sozinha, em frente do professor, muito nervosa, transpirando nas palmas das mãos (algo que jameis me tinha sucedido nem voltou a suceder) enquanto os meus colegas, sentados mais atrás, se preparavam angustiados para eles também e a seguir, defenderem as classificações obtidas. Cheio de bonomia, o professor (o Engº T.M.) foi-me fazendo perguntas...às quais respondi o melhor que pude e soube, esfregando as mãos nas calças de ganga. Mas o facto é que a pouco e pouco fui acalmando, eu conhecia aqueles temas, eram-me familiares e até agradáveis. Creio que cheguei mesmo a ser eloquente! E a certa altura o Engº T.M. disse-me: a senhora já confirmou sem dúvida o seu dezasseis, mas agora tenho aqui, para si, algumas perguntas mais difíceis...deseja continuar? Cobardemente, e contra a vontade do meu bom professor, que outra coisa não desejava senão subir-me a nota (talvez lhe parecesse que eu sabia a matéria a um nível um pouco acima do dezasseis...mas nada me daria de mão beijada...) recusei-me a continuar, alegando que o dezasseis estava muito bem e apropriado aos meus conhecimentos. E pus-me ao fresco, tratando de ir beber uma pepsi-cola no bar da universidade.

Fiquei com dezasseis em Botânica Agrícola, e passe a cobardia demonstrada, não fiquei nada mal. Guardei a amizade ao velho professor T.M., de quem as voltas da vida infelizmente me separaram por completo. Talvez possa ser, hoje, um professor jubilado do ISA, mas o mais provável é que ensine neste momento a sua especialidade aos anjinhos - se no céu se aprendem coisas sobre a vida das plantas verdes.

Belos tempos. Tempos de exigência e rigor, que porém não excluíam bondade, nem compreensão, nem entreajuda. Onde estais?

Não cheguei a ser engenheira silvicultora. Continuo a amar as árvores, é certo, mas de longe, com um amor inoperante, ignorante e pacóvio - nada mais. Quiseram os fados que me tornasse professora, mas não de silvicultura; afinal de contas, das matérias que estão na base das árvores e dos homens: electrões, protões, fenómenos físicos e reacções químicas, que descrevem e justificam tanto o modo como funciona o cérebro humano como as correntes no xilema das sequóias. Tudo bem; o mal não está no assunto. O mal está no ensino.

No ensino de hoje, para que fique bem claro.

Porque no ensino de então, mesmo um aluno que em testes ou frequências obtivesse a média de dezasseis (ou qualquer outra superior a dez) não poderia considerar a cadeira feita, tendo de ir mostrar ao professor, oralmente e em público, aquilo que efectivamente sabia ou não sabia!
Na altura, além do mais, decerto se pensava também que ser capaz de explicar verbal e claramente um assunto constituía competência a adquirir paralelamente às científicas...

Tudo isto mudou. Hoje, as disciplinas "fazem-se" com média de nove e meio em frequências ou testes, e ninguém é obrigado a explicar oralmente a ninguém aquilo que sabe.

Não será necessário ir procurar muito mais longe as razões do descalabro dos dias de hoje, em que muitos alunos (e professores, hélas...) não só não dominam o assunto científico como falam e escrevem como condutores de carroça, aparentemente incapazes de alinhavar duas frases com sentido, que já nem digo com elegância.

Sem comentários:

Enviar um comentário