domingo, 22 de maio de 2011

Que se passa connosco?

DSK foi acusado, por uma humilde empregada de limpeza de um hotel, de agressão no domínio sexual. É (era) um homem poderoso, o segundo mais poderoso sobre a terra depois de Barak Obama, segundo se diz. Ao invés de, imediatamente, ser levantada uma muralha de compassiva solidariedade ao redor da desgraçada vítima, que não só é mulher, como também é pobre, de ascendência africana e talvez até infectada com o vírus da sida, no sentido de ser de algum modo compensada pelos maus tratos e humilhação sofridos, levanta-se isso sim uma rebuscada teoria da conspiração, segundo a qual o “pobre senhor" é que estará a ser vítima de um complot destinado a impedir que possa concorrer em França às próximas presidenciais, e põem-se detectives em campo mas para esquadrinhar todos os possíveis podres no passado e no presente da infeliz senhora.

Repete-se um sem número de vezes que DSK tem direito à presunção de inocência – enquanto se parece esquecer que, neste caso, a presunção da inocência do atacante corresponde inteiramente à presunção da culpa da queixosa, que, estando o primeiro inocente, se teria então queixado sem motivo, ou com inconfessáveis motivos, sendo pois a culpada - de difamação e calúnia. A “presunção de inocência” não se aplicará, pois, a ela? Só a ele? Porquê, porque é homem – por um lado – e poderoso, por outro?

E porque o anterior é de facto insustentável, até para mentes meio apodrecidas, surge agora a variante de que terá havido de facto relacionamento sexual com a empregada do hotel, mas consentido por esta.

Piedade pelo “pobre” DSK vejo-a em todo o lado, na França então nem se fala, mas mesmo em Portugal, mesmo nos blogs, mesmo no facebook – enquanto a piedade pela mulher que entra num local para cumprir o seu dever e é atacada por uma besta psicótica surge muito diminuta, mesmo pontual.

Até Miguel de Sousa Tavares pareceu, em entrevista que ouvi, lamentar a forma à farwest com que os cowboys americanos trataram DSK, colocando-lhe algemas nos pulsos e não o desviando da humilhação pública – o que seria abrigar da tempestade o semeador dos ventos. Advogados e juristas escrevem “ que bastaria ter-lhe retirado o passaporte” “não era necessário exibi-lo perante a imprensa”, constatando o seu ar abatido, o rosto mal barbeado, que parece – numa inversão para mim incompreensível de sentimentos - suscitar-lhes mais compaixão do que asco.

As próprias esposas do dito indivíduo, a actual tanto como a ex, saem em sua defesa, procedimento pouco congruente aliás com o próprio passado de pessoa que conta com vários deslizes sexuais, de conhecimento público, no seu curriculum. Porque o fazem? Não posso responder, mas é certo que (parafraseando a corajosa jornalista Gioconda Belli, cujas palavras transcrevi abaixo) não deveriam deixar que a solidariedade, mesmo para com o actual ou ex marido, se transforme em conivência, em encobrimento.

Que se passa connosco? Já não sabemos distinguir a grande probabilidade da remota possibilidade teórica, o preto do branco, o bem do mal?

No meio disto tudo...surge alguma luz, mas proveniente dos States que aliás várias vezes me têm dado má imagem de si como país. A justiça americana actuou depressa, e de modo imparcial – tanto se lhe fez que DSK fosse um homem mundialmente conhecido, poderoso e rico, ou o mais apagado dos operários de uma fábrica; actuou às claras, mas sem alarido, retirando discretamente o indivíduo da cabina de um avião onde a sem vergonhice ainda o levara a atirar, minutos antes de ser preso, piropos ao posterior de uma hospedeira; colocou-lhe algemas, como colocaria em qualquer estivador acusado do mesmo, e força-o agora a usar uma pulseira sinalizadora e a estar vigiado dia e noite, como perigosa godzilla que tudo leva a crer que é.

E enquanto a família vai procurando caríssimos apartamentos ainda numa exibição do seu poderio económico, para conforto do “pobre infeliz” na prisão domiciliária, um humilde habitante do mal afamado bairro Bronx é quem me conforta a mim, com as suas palavras notáveis: aqui é New York...esse homem aqui não é poderoso...

É pois igual aos outros: God bless America.

Perdoa-me, Portugal, minha pátria querida que nunca quis abandonar, mas se soubesse então o que sei hoje teria emigrado para lá. Sem sombra de dúvida.

1 comentário:

  1. Nesta altura, já se sabe que a senhora queixosa não estará infelizmente isenta do pecado da mentira, e talvez não deixe até de pretender compensações monetárias pelo que aconteceu naquela negregada suite de um hotel de luxo. Mas quê...mesmo que assim seja...acaso só se vivesse em odor de santidade é que se poderia queixar de um predador? Só no caso da senhora ser um modelo de virtudes (e quem dera que todos o fôssemos) é que poderá esperar justiça de um tribunal humano?

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