terça-feira, 26 de maio de 2009
Mais duas azoricas
Mais duas azoricas, e ambas em perigo de extinção: viola da terra (Viola azorica) e vidália (Azorina vidalli).
Pois alevá.
A ponte
Muitas e caudalosas ribeiras por aí há. Encorpadas nas chuvas do inverno, descem dos montes, poderosas e indomáveis, obedecendo às leis eternas que hão-de solicitar as águas e o resto para o centro da terra, até que tudo fique plano – mundo estranho esse, que já não será para nós. Por enquanto o nosso ambiente é de desníveis e de erosão, e assim será durante muito tempo ainda.
Sendo vasto o território do homo sapiens, e percorrendo-o este continuamente de um lado para o outro, teve de lançar as pontes sobre as ribeiras e os rios, reconstruindo teimosamente e combatendo sempre as forças imensas a que os outros animais se limitam a adaptar.
Esta pequena história fala de uma ponte sobre uma grande ribeira. Conheço-a e temo-a; terrores subconscientes, fruto decerto de muitas conversas ouvidas versando a sua capacidade de destruição levam-me, ainda hoje, a acelerar sem dar por isso, safando o carro e o corpo de tão perigosa vizinhança, mesmo nos dias em que a ribeira, a que chamaram apenas Grande, se limita a sussurrar, dolente e mansa, por debaixo dos meus pés e da ponte - novinha em folha.
Durante muitos e muitos anos fora a torrente levando consigo, para o mar que ali fica próximo, os pontões de madeira construídos ora mais acima ora mais abaixo, à mistura com os moinhos destruídos e os troncos das árvores arrancadas pelos matos, e mais o que encontrasse pela frente. A estrada, essa, findava respeitosamente, a certa distância das águas; pessoas e bens eram transportados pelos pontões, enquanto estes resistiam, e recordo-me de ter tido honras de colo e de rede nessa travessia, aí pelos meus quatro ou cinco anos. Dificuldade real, era fazer passar as bestas, salvo seja; esticavam as patas, aterrorizadas com o troar das águas por debaixo, e não atravessavam mesmo. Esgotados todos os argumentos possíveis, dos quais o principal era a pancadaria, não de criar bicho, mas de suar sangue, fenómeno que várias vezes ocorreu para grande espanto daquela boa gente e comparações não muito elegantes com Nosso Senhor no Jardim das Oliveiras, alguém se terá lembrado de tapar com uma froca os olhos e ouvidos dos animais de modo a que, ignorantes do perigo, lá fossem andando e carregando malas e bagagens, e assim passaram a fazer.
Situação insustentável, um belo dia chegaram engenheiro e capatazes, carregados de cálculos e cadernos de encargos, acompanhados pelas inevitáveis máquinas e de um formigueiro de trabalhadores: finalmente se faria a ponte de pedra e cal, aliás já de cimento armado, e continuaria a estrada para servir as pobres freguesias a poente, entaipadas contra o mar.
Muito aplaudida a iniciativa, e para menos não era o caso, os populares acompanhavam interessados a grande movimentação e a acumulação de enormes pedras destinadas à protecção da ponte, enquanto a mesma se ia desenhando. E contaram-me que um velho da freguesia mais próxima, depois de muitas horas passadas em silêncio, a observar os trabalhos e a actividade desenvolvida, disse pausadamente na sua fala cantada, enrolando o cigarrinho: mal empregado trabalho, em Novembro estará tudo lá em baixo – lá em baixo, ou seja, no fundo do mar.
Engenheiro, capatazes e trabalhadores ficaram primeiro pasmados com o atrevimento, depois ofendidíssimos. Os cálculos, os cálculos! Os cálculos estavam todos ali, e todas aquelas obras lhes obedeciam. Como ousava um rústico proferir tamanha enormidade? E depressa o puseram no seu lugar de velho lavrador analfabeto, tendo chegado (segundo me contaram) mesmo a exibir os cadernos cobertos de hieroglíficas charadas, e a repetir os termos difíceis com que a hidrodinâmica se regala.
Talvez pelos olhos do velho tenha passado então um lampejo de piedade e compreensão por esta ingénua vaidade que leva as pessoas a pensar tantas vezes que sabem alguma coisa: Oh, meu senhor, eu desses garranchos não entendo nada, mas esta ribeira conheço-a desde que me lembro!
E os trabalhos continuaram como se nada fosse. Nas chuvadas seguintes, a Ribeira Grande tudo arrastou para o mar, tal como se vira acontecer durante muitas décadas – desde sempre. Levantaram outra ponte; essa já durou mais algum tempo mas acabou também por ser arrastada. A penúltima durou trinta anos, e viria a ser destruída em 1995, numa terrível cheia de que ainda nos lembraremos um pouco por todas as ilhas.
Neste momento a ponte é nova, outra vez, alta e construída segundo as tecnologias mais recentes, que incluirão uma respeitosa distância das águas da ribeira, que lá vai sussurrando por debaixo, como um tigre a fingir que é gato. No leito, bem à vista dos passantes, enorme rochedo revolvido, sobre o qual em tempos existiu um moinho; deste, só a memória dos residentes. Saio dali o mais depressa que posso.
Sou contra os engenheiros, as novas tecnologias e os progressos da ciência? Não, que Deus me defenda. Acho-os utilíssimos e não é por acaso. Mas que tal dar uma olhadela, meus senhores, já agora e de vez em quando, ao saber de experiências feito?
Afinal, também é ele que é ensinado nas escolas e nas universidades…embora nem sempre se dê por isso.
Froca – Regionalismo. Camisa de cotim que se usa em vez do casaco.
Garranchos – Talvez um brasileirismo. Neste sentido: os símbolos escritos, parecidos (aos olhos do velho) com galhos tortuosos.
Sendo vasto o território do homo sapiens, e percorrendo-o este continuamente de um lado para o outro, teve de lançar as pontes sobre as ribeiras e os rios, reconstruindo teimosamente e combatendo sempre as forças imensas a que os outros animais se limitam a adaptar.
Esta pequena história fala de uma ponte sobre uma grande ribeira. Conheço-a e temo-a; terrores subconscientes, fruto decerto de muitas conversas ouvidas versando a sua capacidade de destruição levam-me, ainda hoje, a acelerar sem dar por isso, safando o carro e o corpo de tão perigosa vizinhança, mesmo nos dias em que a ribeira, a que chamaram apenas Grande, se limita a sussurrar, dolente e mansa, por debaixo dos meus pés e da ponte - novinha em folha.
Durante muitos e muitos anos fora a torrente levando consigo, para o mar que ali fica próximo, os pontões de madeira construídos ora mais acima ora mais abaixo, à mistura com os moinhos destruídos e os troncos das árvores arrancadas pelos matos, e mais o que encontrasse pela frente. A estrada, essa, findava respeitosamente, a certa distância das águas; pessoas e bens eram transportados pelos pontões, enquanto estes resistiam, e recordo-me de ter tido honras de colo e de rede nessa travessia, aí pelos meus quatro ou cinco anos. Dificuldade real, era fazer passar as bestas, salvo seja; esticavam as patas, aterrorizadas com o troar das águas por debaixo, e não atravessavam mesmo. Esgotados todos os argumentos possíveis, dos quais o principal era a pancadaria, não de criar bicho, mas de suar sangue, fenómeno que várias vezes ocorreu para grande espanto daquela boa gente e comparações não muito elegantes com Nosso Senhor no Jardim das Oliveiras, alguém se terá lembrado de tapar com uma froca os olhos e ouvidos dos animais de modo a que, ignorantes do perigo, lá fossem andando e carregando malas e bagagens, e assim passaram a fazer.
Situação insustentável, um belo dia chegaram engenheiro e capatazes, carregados de cálculos e cadernos de encargos, acompanhados pelas inevitáveis máquinas e de um formigueiro de trabalhadores: finalmente se faria a ponte de pedra e cal, aliás já de cimento armado, e continuaria a estrada para servir as pobres freguesias a poente, entaipadas contra o mar.
Muito aplaudida a iniciativa, e para menos não era o caso, os populares acompanhavam interessados a grande movimentação e a acumulação de enormes pedras destinadas à protecção da ponte, enquanto a mesma se ia desenhando. E contaram-me que um velho da freguesia mais próxima, depois de muitas horas passadas em silêncio, a observar os trabalhos e a actividade desenvolvida, disse pausadamente na sua fala cantada, enrolando o cigarrinho: mal empregado trabalho, em Novembro estará tudo lá em baixo – lá em baixo, ou seja, no fundo do mar.
Engenheiro, capatazes e trabalhadores ficaram primeiro pasmados com o atrevimento, depois ofendidíssimos. Os cálculos, os cálculos! Os cálculos estavam todos ali, e todas aquelas obras lhes obedeciam. Como ousava um rústico proferir tamanha enormidade? E depressa o puseram no seu lugar de velho lavrador analfabeto, tendo chegado (segundo me contaram) mesmo a exibir os cadernos cobertos de hieroglíficas charadas, e a repetir os termos difíceis com que a hidrodinâmica se regala.
Talvez pelos olhos do velho tenha passado então um lampejo de piedade e compreensão por esta ingénua vaidade que leva as pessoas a pensar tantas vezes que sabem alguma coisa: Oh, meu senhor, eu desses garranchos não entendo nada, mas esta ribeira conheço-a desde que me lembro!
E os trabalhos continuaram como se nada fosse. Nas chuvadas seguintes, a Ribeira Grande tudo arrastou para o mar, tal como se vira acontecer durante muitas décadas – desde sempre. Levantaram outra ponte; essa já durou mais algum tempo mas acabou também por ser arrastada. A penúltima durou trinta anos, e viria a ser destruída em 1995, numa terrível cheia de que ainda nos lembraremos um pouco por todas as ilhas.
Neste momento a ponte é nova, outra vez, alta e construída segundo as tecnologias mais recentes, que incluirão uma respeitosa distância das águas da ribeira, que lá vai sussurrando por debaixo, como um tigre a fingir que é gato. No leito, bem à vista dos passantes, enorme rochedo revolvido, sobre o qual em tempos existiu um moinho; deste, só a memória dos residentes. Saio dali o mais depressa que posso.
Sou contra os engenheiros, as novas tecnologias e os progressos da ciência? Não, que Deus me defenda. Acho-os utilíssimos e não é por acaso. Mas que tal dar uma olhadela, meus senhores, já agora e de vez em quando, ao saber de experiências feito?
Afinal, também é ele que é ensinado nas escolas e nas universidades…embora nem sempre se dê por isso.
Froca – Regionalismo. Camisa de cotim que se usa em vez do casaco.
Garranchos – Talvez um brasileirismo. Neste sentido: os símbolos escritos, parecidos (aos olhos do velho) com galhos tortuosos.
domingo, 24 de maio de 2009
A estrada tem de passar (1)
Diz-se que somos um povo de brandos costumes – e é capaz de ser verdade, ma non troppo. Há limites que não podem ser excedidos sem que o caldo se derrame, e vários exemplos o atestam…
Mas o que mais vezes acontece é ficarmos molemente a ver o que se passa sem interferir nem nada dizer, que aqueles senhores tão bem falantes decerto sabem o que fazem e eu não entendo nada disso (nem quero entender, que dá trabalho). Por certa preguiça e comodismo e, pior, por acharmos talvez que este mundo não é nosso mas sim deles – e porque o seria? lá nos vamos excluindo das decisões, quando não as aplaudimos como basbaques mesmo sem, no fundo, com elas concordar.
Tudo isto, e o mais que virá, por causa de uma pequena notícia saída n’ O NORDESTENSE de 31/10/1888, e que transcrevo:
“Um destes dias deram começo à demolição do adro de Nª Srª da Conceição por onde deve passar a estrada real entre esta Vila e a freguesia de S. Pedro do Nordestinho.”
E o primeiro pensamento que me cruzou a cabeça foi: e o povo deixou demolir o adro? Deixou. Há-de ter pensado que tinha de ser, e que aqueles senhores é que sabiam por onde haveria de passar a estrada, bem inestimável – e esta parte não discuto.
Confesso-vos que a primeira vez que me confrontei com obras públicas foi a propósito de uma terra que meu pai do seu herdara e em grande estima tinha. Terra pequena, mas arável e funda, depois de muitos trabalhos de rebentamentos e limpezas que por lá se desenrolaram – sobretudo à mão.
É pacífico que, à mão, o bicho homem pouco mal pode fazer à nossa mãe natureza, que o dotou de membros e músculos de segunda, se com outras espécies animais o compararmos. O pior pode acontecer é quando vêm as máquinas com as fortíssimas garras de ferro, conduzidas por más cabeças, na mira do imediato e de alguns votos a mais.
Fora decidido melhorar o caminho, coisa em si excelente; toca pois a avançar com as ditas por sobre os muros de pedra cobertos de musgo, e a seguir pela terra dentro, onde o milho crescia nos tempos de meu avô. O caminho definitivo levantou-se perante o cerrado, deixando-o rebaixado e desprotegido, pois não foi entendido por necessário reerguer a parede a alturas convenientes. Mesmo para quê? Os donos não estão cá.
Pois não, mas um dia chegaram. Fui fazer as visitas do costume: à campa de meu pai, onde os seus ossos repousam à sombra da igreja onde foi baptizado, e à sua terra de grande estimação. Quem autorizou “isto”? Ninguém autorizara nada, nem aparentemente fora sentida a necessidade de autorização fosse de quem fosse. Instintos básicos, territoriais, agitaram-se dentro de mim, e em grande revolta subi a freguesia; e foi então que me disseram a frase que encabeça estas linhas: olhe que a estrada tem de passar!
Reclamei, por verbo falado e escrito, recebi promessas de indemnização e de arranjo, jamais cumpridas mas sempre renovadas - e o tempo foi correndo e amaciando os contornos da nova parede e da estrada. Outros homens, ao longo dos anos, cultivaram a terra, voltaram a limpá-la e combateram as silvas, que não deixam de aproveitar as ocasiões. E hoje quem por lá passe talvez suponha que sempre assim estiveram as coisas, se é que algo lhe chama a atenção. Um belo dia, a necessidade obrigou; vendi a terra.
Muitas lições aprendi com a terra e a estrada. Na verdade, esta não “tem de” passar; a sua passagem foi decidida por homens tão falíveis como nós, e quiçá ainda mais ignorantes até do que nós, mesmo que animados de boas intenções. Só raramente é que não será possível a consideração de trajectos alternativos, que prejudiquem minimamente o trabalho já realizado. Depois, mesmo que passe, não tem de passar assim, uma vez que pode passar na mesma com o devido respeito pela obra e propriedade alheias. Mais: passará ao abrigo de leis que é possível fazer cumprir, existindo mecanismos para o efeito; claro que também os há em sentido contrário, sendo destes o principal o cansaço que leva a desistir no meio da burocracia e das maçadas mil. E outra: o tempo é bom curandeiro…mas há males que só abranda.
Que passem as estradas, e várias outras coisas, pois são necessárias e boas. Mas que passem debaixo dos nossos olhos atentos: quem as mandou passar é igualzinho a nós. E tão capaz como nós de fazer asneiras.
E por falar em asneiras e em estradas, devo ter sentido o cheiro da pólvora, pois não resisto a apontar-vos mais uma: vejam só a inclinação do piso de certas vias de circulação que por aí foram feitas, nas curvas, e digam-me lá se quem as fez terá aprendido física (básica) nos bancos do liceu. É de supor, no mínimo, que faltou a essas aulas…e que não faz a menor ideia do que possa ser a força centrífuga, embora decerto já a tenha sentido na pele muitas vezes.
Mas, mesmo assim, foi-lhe reconhecida autoridade para traçar e executar uma estrada.
Mas o que mais vezes acontece é ficarmos molemente a ver o que se passa sem interferir nem nada dizer, que aqueles senhores tão bem falantes decerto sabem o que fazem e eu não entendo nada disso (nem quero entender, que dá trabalho). Por certa preguiça e comodismo e, pior, por acharmos talvez que este mundo não é nosso mas sim deles – e porque o seria? lá nos vamos excluindo das decisões, quando não as aplaudimos como basbaques mesmo sem, no fundo, com elas concordar.
Tudo isto, e o mais que virá, por causa de uma pequena notícia saída n’ O NORDESTENSE de 31/10/1888, e que transcrevo:
“Um destes dias deram começo à demolição do adro de Nª Srª da Conceição por onde deve passar a estrada real entre esta Vila e a freguesia de S. Pedro do Nordestinho.”
E o primeiro pensamento que me cruzou a cabeça foi: e o povo deixou demolir o adro? Deixou. Há-de ter pensado que tinha de ser, e que aqueles senhores é que sabiam por onde haveria de passar a estrada, bem inestimável – e esta parte não discuto.
Confesso-vos que a primeira vez que me confrontei com obras públicas foi a propósito de uma terra que meu pai do seu herdara e em grande estima tinha. Terra pequena, mas arável e funda, depois de muitos trabalhos de rebentamentos e limpezas que por lá se desenrolaram – sobretudo à mão.
É pacífico que, à mão, o bicho homem pouco mal pode fazer à nossa mãe natureza, que o dotou de membros e músculos de segunda, se com outras espécies animais o compararmos. O pior pode acontecer é quando vêm as máquinas com as fortíssimas garras de ferro, conduzidas por más cabeças, na mira do imediato e de alguns votos a mais.
Fora decidido melhorar o caminho, coisa em si excelente; toca pois a avançar com as ditas por sobre os muros de pedra cobertos de musgo, e a seguir pela terra dentro, onde o milho crescia nos tempos de meu avô. O caminho definitivo levantou-se perante o cerrado, deixando-o rebaixado e desprotegido, pois não foi entendido por necessário reerguer a parede a alturas convenientes. Mesmo para quê? Os donos não estão cá.
Pois não, mas um dia chegaram. Fui fazer as visitas do costume: à campa de meu pai, onde os seus ossos repousam à sombra da igreja onde foi baptizado, e à sua terra de grande estimação. Quem autorizou “isto”? Ninguém autorizara nada, nem aparentemente fora sentida a necessidade de autorização fosse de quem fosse. Instintos básicos, territoriais, agitaram-se dentro de mim, e em grande revolta subi a freguesia; e foi então que me disseram a frase que encabeça estas linhas: olhe que a estrada tem de passar!
Reclamei, por verbo falado e escrito, recebi promessas de indemnização e de arranjo, jamais cumpridas mas sempre renovadas - e o tempo foi correndo e amaciando os contornos da nova parede e da estrada. Outros homens, ao longo dos anos, cultivaram a terra, voltaram a limpá-la e combateram as silvas, que não deixam de aproveitar as ocasiões. E hoje quem por lá passe talvez suponha que sempre assim estiveram as coisas, se é que algo lhe chama a atenção. Um belo dia, a necessidade obrigou; vendi a terra.
Muitas lições aprendi com a terra e a estrada. Na verdade, esta não “tem de” passar; a sua passagem foi decidida por homens tão falíveis como nós, e quiçá ainda mais ignorantes até do que nós, mesmo que animados de boas intenções. Só raramente é que não será possível a consideração de trajectos alternativos, que prejudiquem minimamente o trabalho já realizado. Depois, mesmo que passe, não tem de passar assim, uma vez que pode passar na mesma com o devido respeito pela obra e propriedade alheias. Mais: passará ao abrigo de leis que é possível fazer cumprir, existindo mecanismos para o efeito; claro que também os há em sentido contrário, sendo destes o principal o cansaço que leva a desistir no meio da burocracia e das maçadas mil. E outra: o tempo é bom curandeiro…mas há males que só abranda.
Que passem as estradas, e várias outras coisas, pois são necessárias e boas. Mas que passem debaixo dos nossos olhos atentos: quem as mandou passar é igualzinho a nós. E tão capaz como nós de fazer asneiras.
E por falar em asneiras e em estradas, devo ter sentido o cheiro da pólvora, pois não resisto a apontar-vos mais uma: vejam só a inclinação do piso de certas vias de circulação que por aí foram feitas, nas curvas, e digam-me lá se quem as fez terá aprendido física (básica) nos bancos do liceu. É de supor, no mínimo, que faltou a essas aulas…e que não faz a menor ideia do que possa ser a força centrífuga, embora decerto já a tenha sentido na pele muitas vezes.
Mas, mesmo assim, foi-lhe reconhecida autoridade para traçar e executar uma estrada.
segunda-feira, 18 de maio de 2009
Azoricas
Quando os navegadores avistaram ao longe as ilhas atlânticas, terão sentido a vontade compreensível de as visitar, não só pela curiosidade natural do descobridor como também para obter água e mantimentos frescos, e já agora para delas se apossar, em nome de El-Rei e para glória de todos. Abrigados os pequenos barcos nas poucas angras viáveis, ei-los que desembarcam num território que até então só pertencia às aves e à vegetação – e pouco mais.
Nas zonas mais baixas, encontraram as plantas de costa, tão densas em alguns locais que até o nome deram à ilha em questão; é o caso das Flores, que terá sido deste modo chamada por se encontrar literalmente coberta de cubres amarelos, na orla costeira, e decerto não de hortênsias azuis, como sucede hoje, mas que parecem ter achado nessa ilha, como um pouco por todo o arquipélago dos Açores, o seu verdadeiro lugar ao sol. Sol suavizado, é certo, pela humidade constante, chuvas abundantes e vento fresco, pois poderia ter sido Flores chamada também a ilha das brumas eternas, ou aquela que dá de beber ao mar, segundo um poeta...
Nas zonas mais altas, geralmente acima dos 500 metros nos grupos central e oriental - no ocidental, a menos do que isso - observaram, aflitos (como é que se vai arrotear isto?) a floresta a que hoje nos referimos quase postumanente como laurissilva, ou floresta de louro e cedro, pois dela agora pouco resta, a não ser nos locais menos acessíveis das ilhas, como por exemplo a daqui bem próxima serra da Tronqueira. Árvores centenárias, algumas de preciosa madeira, arbustos e vegetação rasteira, (quase) tudo acabou por ser minuciosamente derrubado, desbravado e desmontado, numa actividade a princípio lenta e penosa, tornando-se mais rápida e descuidada com o melhoramento dos utensílios e o advento da perniciosa mania de que o que vem de fora é que é bom, e que levaria à introdução de muitas espécies alienígenas e agressivas para a flora local. Desta, onde estão agora os cedros do mato - em alguns locais conhecidos por zimbreiros ou zimbros – os loureiros, vinháticos, paus-brancos (ou paus-branqueiros), sanguinhos, azevinhos, tamujos e folhados, e quem os conhece hoje? A queiró (ou urze, nalgumas ilhas) lá se foi aguentando e é das poucas relíquias da laurissilva que pertence ao nosso quotidiano; a faia da terra também até certo ponto, e devido talvez à sua utilização como abrigo para plantas fruteiras.
Muitas destas espécies são endémicas, ou seja nossas e só nossas; a algumas foi-lhes dado até o nome que entre todas as plantas deste mundo as distinguirá: “Laurus Azorica”, o loureiro açoriano; “Erica Azorica”, a nossa urze ou queiró; “Picconia Azorica”, o pau-branqueiro de nobre madeira; “Frangula Azorica”, o sanguinho de flor vermelha, etc.
O olhar do passante recai na mesma, nos dias de hoje, sobre o verde profundo das árvores, mas praticamente só distinguirá as exóticas “Cryptomeria Japonica” de crescimento rápido, sob as quais pouco ou nada consegue sobreviver, alguns “Eucalyptus Globulus” e abundantes incensos, “Pittosporum Undulatum”, também ao que parece introduzidos inicialmente para abrigo de pomares. Verá também outras colonizadoras eficientes, como as canas, “Arundo Donax”, a ornamental e competitiva “Hydrangea Macrophylla”, mais conhecida decerto por hortênsia ou novelão, e as atraentes conteiras (em algumas ilhas, roca-da-velha ou cana-roca), “Hedychium Gardneranum”, que lá por serem bonitas não deixam de ser também uma boa peste de erva, e a pior das ameaças para a pobre e açoriana laurissilva.
Fui buscar boa parte destes nomes, científicos e sonoros, já se vê, a um pequeno e muito útil livrinho, pois a única coisa aqui que é da minha especialidade é a verificação diária da (quase) geral indiferença pública e privada pelo desaparecimento das “azoricas”, quer sejam vegetais quer não. Entretanto, dois aspectos me chamaram a atenção logo à partida no dito livro. Em primeiro lugar, o facto do seu autor ser um estrangeiro - o sueco Eric Sjogren; e em segundo, uma das frases com que inicia o seu precioso trabalho: este livro foi elaborado para turistas que se encontrem no arquipélago dos Açores ou planeiem visitá-lo…O itálico é meu.
Para turistas. E ainda há quem negue que quem está de fora vê melhor, e rapidamente se apercebe daquilo que a casa gasta. Depressa terá constatado Eric Sjogren de que os açorianos não se ralam excessivamente com as azoricas.
Na foto: tolpis azorica
Democracia
Eleições num pequeno círculo que me é próximo levaram-me a pensar na democracia. Pouco sei acerca das suas origens; tendo nascido num país onde, aos quinze anos, me forçaram a abandonar a história, o português e outras línguas, mai-la geografia (pois a alternativa a isto seria abandonar a física, a química, a matemática, a biologia, a geologia...) já se vê que nunca estudei história a fundo e dela pouco sei, consequentemente. Pensar que uma pessoa deveria saber de tudo pelo menos alguma coisa coloca-me sempre em situação delicada perante aqueles que, com enormes aspereza e convicções, declaram que os alunos têm disciplinas a mais e estudam coisas de mais, as pobres crianças! Mesmo para que é esta treta da filosofia (por exemplo), se o meu filho quer é ser engenheiro informático? E lá vou eu balbuciando argumentos a favor de uma boa cultura geral, sempre útil em meu entender, perante a maré fortíssima dos que a entendem como uma perda pura e simples de tempo e dispêndio inglório de energias.
Mas do pouco que sei, sempre sei o que é do domínio público, isto é, que se trata de um sistema onde cada um de nós livremente pode, através do voto, expressar a sua opinião acerca de quem pretendemos que nos governe ou nos represente, ao invés desse alguém ser meramente nomeado por outro alguém e cair-nos na sopa como mosca que não escolhemos nem sequer conhecemos. Sem dúvida que é um sistema aliciante. Ainda por cima o voto é secreto, donde não há que temer represálias (haverá quem diga: represálias? Nem pensar! Então há democracia ou não há?) pois podemos guardar silêncio acerca da nossa escolha, ou não guardar, conforme for achado mais conveniente. É sempre possível, por exemplo, dizer particularmente a algum membro da lista X que nela se votou, quando afinal se votou foi na Y, ou vice versa, ou ainda implementar a estratégia de dizer com a maior das sinceridades a um membro da lista Z que afinal se votou foi na W (neste momento é apropriado fazer um ar bastante compungido) mas não por causa do membro com quem se fala, mas de um outro que dela fazia parte. Como as listas integram vários membros, as combinações possíveis são em grande número. Também se pode, evidentemente, dizer que não se votou numa lista determinada porque um ou vários membros desta disseram que iam fazer coisas péssimas caso fossem eleitos (esta modalidade é também muito usada antes da votação). Na verdade, não disseram, nem seria de esperar que o dissessem, mas que importa? Jamais se poderá provar que não disseram...e sempre se poderá dizer que disseram, sim senhor, mas já não nos lembramos de quem nos disse que disseram. E dá para mais uns minutos de saborosa conversa.
Pasmada perante as complexidades geradas à volta do que me parecia simples, eu que afinal fui mesmo para as ditas ciências exactas e sou um bocado pão pão queijo queijo - uma por temperamento e outra por formação - dou comigo a pensar que deslindar estas meadas é decerto mais complicado do que decifrar o genoma humano. Pois se o voto é livre e é secreto, para que serão estas justificações? Tratar-se-á de mera verborreia, imbecilidade pura, ou terão inconfessável intenção? E é então que das profundas da memória vai surgindo uma velha anedota...era uma vez uma velhinha, ocupada em acender devotamente uma vela aos pés de uma imagem do arcanjo S. Miguel (talvez fosse na igreja matriz de Vila Franca do Campo, mas não tenho a certeza) quando eis que entra na igreja o senhor prior. Então, senhora Maria, acendendo uma vela a S. Miguel! Muito bem, devemos mesmo pedir a sua protecção...e para que é esta vela pequenina aqui ao lado? Ah, senhor prior, não leve a mal...o senhor se calhar não entende estas coisas...esta mais pequenina é para o diabo...Senhora Maria, a senhora está a acender também uma vela ao diabo?! Sabe, senhor prior, é que ele agora está por baixo mas amanhã pode muito bem estar por cima...quem sabe!
Esta velhinha, admitindo que existiu uma velhinha nestas condições, é bem de ver que não fazia a mínima ideia do que se entende por democracia nem de que existiu gente bem intencionada na Grécia antiga...e não é de admirar. De outros, é porém muito mais surpreendente que também não façam.
Ou talvez seja apenas a natureza humana, atávica e manipuladora, a dar a volta por baixo ao bom sistema.
Mas do pouco que sei, sempre sei o que é do domínio público, isto é, que se trata de um sistema onde cada um de nós livremente pode, através do voto, expressar a sua opinião acerca de quem pretendemos que nos governe ou nos represente, ao invés desse alguém ser meramente nomeado por outro alguém e cair-nos na sopa como mosca que não escolhemos nem sequer conhecemos. Sem dúvida que é um sistema aliciante. Ainda por cima o voto é secreto, donde não há que temer represálias (haverá quem diga: represálias? Nem pensar! Então há democracia ou não há?) pois podemos guardar silêncio acerca da nossa escolha, ou não guardar, conforme for achado mais conveniente. É sempre possível, por exemplo, dizer particularmente a algum membro da lista X que nela se votou, quando afinal se votou foi na Y, ou vice versa, ou ainda implementar a estratégia de dizer com a maior das sinceridades a um membro da lista Z que afinal se votou foi na W (neste momento é apropriado fazer um ar bastante compungido) mas não por causa do membro com quem se fala, mas de um outro que dela fazia parte. Como as listas integram vários membros, as combinações possíveis são em grande número. Também se pode, evidentemente, dizer que não se votou numa lista determinada porque um ou vários membros desta disseram que iam fazer coisas péssimas caso fossem eleitos (esta modalidade é também muito usada antes da votação). Na verdade, não disseram, nem seria de esperar que o dissessem, mas que importa? Jamais se poderá provar que não disseram...e sempre se poderá dizer que disseram, sim senhor, mas já não nos lembramos de quem nos disse que disseram. E dá para mais uns minutos de saborosa conversa.
Pasmada perante as complexidades geradas à volta do que me parecia simples, eu que afinal fui mesmo para as ditas ciências exactas e sou um bocado pão pão queijo queijo - uma por temperamento e outra por formação - dou comigo a pensar que deslindar estas meadas é decerto mais complicado do que decifrar o genoma humano. Pois se o voto é livre e é secreto, para que serão estas justificações? Tratar-se-á de mera verborreia, imbecilidade pura, ou terão inconfessável intenção? E é então que das profundas da memória vai surgindo uma velha anedota...era uma vez uma velhinha, ocupada em acender devotamente uma vela aos pés de uma imagem do arcanjo S. Miguel (talvez fosse na igreja matriz de Vila Franca do Campo, mas não tenho a certeza) quando eis que entra na igreja o senhor prior. Então, senhora Maria, acendendo uma vela a S. Miguel! Muito bem, devemos mesmo pedir a sua protecção...e para que é esta vela pequenina aqui ao lado? Ah, senhor prior, não leve a mal...o senhor se calhar não entende estas coisas...esta mais pequenina é para o diabo...Senhora Maria, a senhora está a acender também uma vela ao diabo?! Sabe, senhor prior, é que ele agora está por baixo mas amanhã pode muito bem estar por cima...quem sabe!
Esta velhinha, admitindo que existiu uma velhinha nestas condições, é bem de ver que não fazia a mínima ideia do que se entende por democracia nem de que existiu gente bem intencionada na Grécia antiga...e não é de admirar. De outros, é porém muito mais surpreendente que também não façam.
Ou talvez seja apenas a natureza humana, atávica e manipuladora, a dar a volta por baixo ao bom sistema.
sábado, 16 de maio de 2009
Descartável
Hesito sempre antes de deitar seja o que for nos contentores do lixo. Aliás, a verdade é que coisa minha só tem esse fim depois de grandes lucubrações e esforço intelectual, em que tento imaginar todos os futuríveis nos quais ela um dia ainda poderá ter utilidade. Pelo sim pelo não, guardo-a, geralmente. E se de todo não a posso guardar, tento oferecê-la...a quem seja tão problemático como eu quanto ao lixo, mas tenha mais vazios ocupáveis debaixo de telha.
Desta forma não é de admirar que os espaços em que me movo, quase sempre de lado para não deitar nada no chão, se pareçam muito com o caos primordial. Jornais velhos, papéis velhos, roupas velhas, recordações velhas, móveis velhos, garrafas velhas e coisas velhas em geral, nesta minha casa é sabido que encontram refúgio, e como a notícia deve ter corrido de porta em porta, é a ela que se dirigem quando em perigo. Não me queixo, porque ainda há bem pouco tempo e desta forma uma esplêndida cama antiga, com bonito trabalho de talha e bordados de madeira escondidos debaixo de muitos anos de poeira e casulos de aranhas, com os pés carcomidos e consequentemente meio cambada, veio parar às minhas mãos; algumas limpezas e pezinhos novos depois, o certo é que já rebrilha e se prepara para receber o sortudo que nela se reclinará um dia destes.
Num mundo onde o novo é rei, mesmo que seja de inferior qualidade, devo ser excêntrica; num modo de viver onde impera o bota abaixo e o faz de novo, a própria casa que guarda a cama e mais mil outras velharias é um velho granel reconstruído...Mas onde teria eu paredes tão grossas? Onde um ar tão imponente e altaneiro? Onde um pátio lajeado, onde uma escadaria de pedra tão bem lançada? Quis-me parecer que numa casa nova tais requintes jamais seriam para mim, que não sou aparentada com o Bill Gates. E assim reconstruí a velha...para grande espanto de alguns, que teriam demolido irremediavelmente o monte de pedras e no seu lugar levantado um caixote de betão, muito provavelmente equipado com as frias ventanas de alumínio.
E se me recuso a aceitar sem discussão que um objecto velho e à primeira vista imprestável seja oferecido sem remédio ao holocausto das lixeiras, como poderei concordar com esta mania, hoje muito generalizada e já muito encarada como procedimento natural, de botar fora as próprias pessoas? Aflige-me mas é que os meus netos vivam num mundo onde os seres humanos se tornaram tão descartáveis como os tinteiros das impressoras – que, esses, até eu dou ao lixo (para reciclagem), e mesmo assim somente depois de ter guardado uns dois ou três para ilustração das gerações vindouras, já se vê...
Desta forma não é de admirar que os espaços em que me movo, quase sempre de lado para não deitar nada no chão, se pareçam muito com o caos primordial. Jornais velhos, papéis velhos, roupas velhas, recordações velhas, móveis velhos, garrafas velhas e coisas velhas em geral, nesta minha casa é sabido que encontram refúgio, e como a notícia deve ter corrido de porta em porta, é a ela que se dirigem quando em perigo. Não me queixo, porque ainda há bem pouco tempo e desta forma uma esplêndida cama antiga, com bonito trabalho de talha e bordados de madeira escondidos debaixo de muitos anos de poeira e casulos de aranhas, com os pés carcomidos e consequentemente meio cambada, veio parar às minhas mãos; algumas limpezas e pezinhos novos depois, o certo é que já rebrilha e se prepara para receber o sortudo que nela se reclinará um dia destes.
Num mundo onde o novo é rei, mesmo que seja de inferior qualidade, devo ser excêntrica; num modo de viver onde impera o bota abaixo e o faz de novo, a própria casa que guarda a cama e mais mil outras velharias é um velho granel reconstruído...Mas onde teria eu paredes tão grossas? Onde um ar tão imponente e altaneiro? Onde um pátio lajeado, onde uma escadaria de pedra tão bem lançada? Quis-me parecer que numa casa nova tais requintes jamais seriam para mim, que não sou aparentada com o Bill Gates. E assim reconstruí a velha...para grande espanto de alguns, que teriam demolido irremediavelmente o monte de pedras e no seu lugar levantado um caixote de betão, muito provavelmente equipado com as frias ventanas de alumínio.
E se me recuso a aceitar sem discussão que um objecto velho e à primeira vista imprestável seja oferecido sem remédio ao holocausto das lixeiras, como poderei concordar com esta mania, hoje muito generalizada e já muito encarada como procedimento natural, de botar fora as próprias pessoas? Aflige-me mas é que os meus netos vivam num mundo onde os seres humanos se tornaram tão descartáveis como os tinteiros das impressoras – que, esses, até eu dou ao lixo (para reciclagem), e mesmo assim somente depois de ter guardado uns dois ou três para ilustração das gerações vindouras, já se vê...
segunda-feira, 11 de maio de 2009
Sobre cães...ou talvez não
Há muitos anos comprei um livro sobre cães.
Já nessa altura tinha grande vontade de possuir um cãozinho, eufemismo carinhoso para o cão que eu gostaria de ter, amigo, protector e guarda, de dimensões avantajadas e aterrador para quem de mim se aproximasse com más intenções.
Escolhi a raça Pastor Alemão e comprei o livro, intitulado Mil Perguntas e Mil Respostas Sobre Cães, dado que a ter um cão, o mesmo deveria ser obviamente bem tratado.
Como aparte devo dizer-vos que já fui com efeito, mais tarde, dona de cães dessa raça, com tão pouca sorte mútua que o primeiro (chamava-se Lobo) foi envenenado com estricnina ou veneno de ratos, e o segundo - segunda, Pastora, com um "bolo" de carne recheado com vidro moído - procedimentos cruéis ainda em uso entre nós para nos livrarmos do cão do vizinho, cuja presença impede o assalto às laranjas do quintal.
É contra isto, e contra outros procedimentos incompatíveis com a dignidade humana que luta a senhora B.B., com diminuto sucesso aliás.
Nem o livro nem o veterinário puderam salvá-los, tiveram de ser abatidos.
Mantenho o desejo de um dia voltar a ser dona de um belo, grande e amistoso pastor alemão, a quem ensinarei a aplicação da máxima "benvindo seja quem vier por bem", máxima que pressupõe que quem não vier por bem terá problemas.
Mas vamos ao que agora interessa.
Comprado o livro, tratei de o ler atentamente, tomando muitas notas. E às tantas uma resposta chamou-me particularmente a atenção. Uma senhora tinha adquirido um cachorrinho num canil, e para sua casa o levou. Contrariada porque a aquisição parecia não corresponder às suas expectativas de comportamento (quais, não dizia) voltou ao canil para devolver o cão, o que a administração do dito não aceitou. Perguntava assim a indignada senhora ao autor porquê!
A resposta do veterinário foi a seguinte: os canis não aceitam a devolução de cãezinhos (à partida saudáveis e normais) porque compreenderam que se o fizessem os proprietários - ou alguns, pelo menos - pouco ou nenhum esforço dispenderiam para o educar convenientemente: o cãozinho não agrada afinal? Devolve-se, traz-se outro e pronto.
Imediatamente, estradas eléctricas e desconhecidas do meu cérebro conduziram-me ao seguinte pensamento: é por isto mesmo que o divórcio (entre seres humanos, já se vê) também não é solução.
Diga-se que na altura eu era favorável ao divórcio, muito provavelmente para me opor e contrariar os meus pais e de um modo geral a geração antepassada, pois nunca tinha pensado sequer muito maduramente no assunto. Então as pessoas não se dão bem, porque é que hão-de passar toda a vida amarradas uma à outra? Disparate supersticioso! E a tanto se resumiam as minhas observações (e pensamentos) a respeito. Bela adolescência.
Comecei a pensar mais no assunto, depois de ler esse livro que afinal era sobre cães e não sobre homens e mulheres...Mas decerto poderia ser, não tanto quanto aos perigos da urina de rato na comida (apesar de que a leptospirose também se transmite aos humanos) mas decerto quanto à descartabilidade.
segunda-feira, 4 de maio de 2009
Mosi oa tunya
Minha filha e marido passaram o fim de semana junto do grande Zambeze!
Fiquei muito sensibilizada por se lembrarem de mim junto da "grande água", e me mandarem fotos da dita!
Retribuo com fotos das que ainda hoje se chamam Cataratas Vitória, e que eu gostaria mais tivessem mantido o seu nome de Mosi oa tunya - a morada do trovão!
Naquela piscina é que ninguém me apanha...uma pelo nome (Devil's pool) outra pelo resto...
Endeusamento menos rápido
A verdadeira e honesta crítica, feita de boa fé, não se limita a apontar os erros - propõe soluções, e é o que passo a fazer, bem sabendo no entanto que as minhas palavras ecoarão sobre as águas mais ou menos como o sermão de Santo António aos peixes.
Em primeiro lugar, e tendo como objectivo fazer do professorado português um corpo de elite (xii! vão dizer que sou salazarista...pois alevá!) e mesmo sem chegar aos exageros das faculdades de medicina, não deveriam ser aceites nos cursos via ensino alunos com classificações tão baixas no ensino secundário. Deveriam, pois, as universidades levantar as respectivas fasquias de admissão, na certeza de que o que se perdesse em quantidade (e em propinas) seria ganho em qualidade. Proponho as médias mínimas de quinze valores, ou mesmo catorze! acompanhadas de sucesso numa bateria de testes psicológicos apropriados (medida que recomendo também às faculdades de medicina) dado que se hoje em dia qualquer um pode ser professor, mandaria o bom senso que alguns encaminhados fossem para outras carreiras.
Os curricula dos cursos via ensino deveriam incluir temas de cultura geral, bem como disciplinas onde se abordassem conteúdos de outras especialidades. Por exemplo, os curricula dos cursos de Línguas deveriam incluir temas, mesmo leves, das ciências ditas exactas (pois não é aberrante que um professor de Português ou de Inglês peça ao colega de Matemática ou de Física para calcular, por ele, a percentagem de negativas aplicadas por si próprio na turma X?) enquanto os curricula das exactas incluiriam forçosamente lições de bem falar e bem escrever (pois não é aberrante que um professor de Matemática diga, por exemplo, "vaia", ou "deia", em vez de vá e dê?) Todos os curricula deveriam incluir temas de civilidade e gestão de conflitos, boa postura à mesa e na vida, moralidade no sentido mais profundo (pois não é aberrante que um professor seja o primeiro a aconselhar aos seus alunos que vão ao Centro de Saúde pedir declarações de dor de dentes e ataque de caspa, apenas para fugir ao teste de Matemática do dia seguinte?)
Nenhuma disciplina de nenhum curriculum universitário poderia ser considerada feita apenas por frequências e testes, muito menos com média de dez arredondado, como sói acontecer. Toda e qualquer disciplina, dentro da sua natureza específica, só deveria ser conseguida mediante exames práticos e orais, além dos escritos, de modo ao examinador poder concluir sobre a profundidade (e clareza) dos conhecimentos do examinando.
Nenhum aluno finalista de uma licenciatura via ensino deveria, por fim, ser admitido a estágio sem ter obtido a classificação, até esse momento, de digamos os mesmos quinze ou, vá lá, catorze valores nas disciplinas integrantes dos seus cursos.
Nestas condições, em poucos anos teríamos um corpo docente bem diferente do actual; e em vinte anos uma população portuguesa também muito diferente, espelho dos seus mestres, como sempre o foi, é e viria a ser, forçosamente.
Disse viria - porque é condicional, e a condição para tão risonho futuro é só uma: que o queiramos.
Em primeiro lugar, e tendo como objectivo fazer do professorado português um corpo de elite (xii! vão dizer que sou salazarista...pois alevá!) e mesmo sem chegar aos exageros das faculdades de medicina, não deveriam ser aceites nos cursos via ensino alunos com classificações tão baixas no ensino secundário. Deveriam, pois, as universidades levantar as respectivas fasquias de admissão, na certeza de que o que se perdesse em quantidade (e em propinas) seria ganho em qualidade. Proponho as médias mínimas de quinze valores, ou mesmo catorze! acompanhadas de sucesso numa bateria de testes psicológicos apropriados (medida que recomendo também às faculdades de medicina) dado que se hoje em dia qualquer um pode ser professor, mandaria o bom senso que alguns encaminhados fossem para outras carreiras.
Os curricula dos cursos via ensino deveriam incluir temas de cultura geral, bem como disciplinas onde se abordassem conteúdos de outras especialidades. Por exemplo, os curricula dos cursos de Línguas deveriam incluir temas, mesmo leves, das ciências ditas exactas (pois não é aberrante que um professor de Português ou de Inglês peça ao colega de Matemática ou de Física para calcular, por ele, a percentagem de negativas aplicadas por si próprio na turma X?) enquanto os curricula das exactas incluiriam forçosamente lições de bem falar e bem escrever (pois não é aberrante que um professor de Matemática diga, por exemplo, "vaia", ou "deia", em vez de vá e dê?) Todos os curricula deveriam incluir temas de civilidade e gestão de conflitos, boa postura à mesa e na vida, moralidade no sentido mais profundo (pois não é aberrante que um professor seja o primeiro a aconselhar aos seus alunos que vão ao Centro de Saúde pedir declarações de dor de dentes e ataque de caspa, apenas para fugir ao teste de Matemática do dia seguinte?)
Nenhuma disciplina de nenhum curriculum universitário poderia ser considerada feita apenas por frequências e testes, muito menos com média de dez arredondado, como sói acontecer. Toda e qualquer disciplina, dentro da sua natureza específica, só deveria ser conseguida mediante exames práticos e orais, além dos escritos, de modo ao examinador poder concluir sobre a profundidade (e clareza) dos conhecimentos do examinando.
Nenhum aluno finalista de uma licenciatura via ensino deveria, por fim, ser admitido a estágio sem ter obtido a classificação, até esse momento, de digamos os mesmos quinze ou, vá lá, catorze valores nas disciplinas integrantes dos seus cursos.
Nestas condições, em poucos anos teríamos um corpo docente bem diferente do actual; e em vinte anos uma população portuguesa também muito diferente, espelho dos seus mestres, como sempre o foi, é e viria a ser, forçosamente.
Disse viria - porque é condicional, e a condição para tão risonho futuro é só uma: que o queiramos.
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