segunda-feira, 18 de maio de 2009
Azoricas
Quando os navegadores avistaram ao longe as ilhas atlânticas, terão sentido a vontade compreensível de as visitar, não só pela curiosidade natural do descobridor como também para obter água e mantimentos frescos, e já agora para delas se apossar, em nome de El-Rei e para glória de todos. Abrigados os pequenos barcos nas poucas angras viáveis, ei-los que desembarcam num território que até então só pertencia às aves e à vegetação – e pouco mais.
Nas zonas mais baixas, encontraram as plantas de costa, tão densas em alguns locais que até o nome deram à ilha em questão; é o caso das Flores, que terá sido deste modo chamada por se encontrar literalmente coberta de cubres amarelos, na orla costeira, e decerto não de hortênsias azuis, como sucede hoje, mas que parecem ter achado nessa ilha, como um pouco por todo o arquipélago dos Açores, o seu verdadeiro lugar ao sol. Sol suavizado, é certo, pela humidade constante, chuvas abundantes e vento fresco, pois poderia ter sido Flores chamada também a ilha das brumas eternas, ou aquela que dá de beber ao mar, segundo um poeta...
Nas zonas mais altas, geralmente acima dos 500 metros nos grupos central e oriental - no ocidental, a menos do que isso - observaram, aflitos (como é que se vai arrotear isto?) a floresta a que hoje nos referimos quase postumanente como laurissilva, ou floresta de louro e cedro, pois dela agora pouco resta, a não ser nos locais menos acessíveis das ilhas, como por exemplo a daqui bem próxima serra da Tronqueira. Árvores centenárias, algumas de preciosa madeira, arbustos e vegetação rasteira, (quase) tudo acabou por ser minuciosamente derrubado, desbravado e desmontado, numa actividade a princípio lenta e penosa, tornando-se mais rápida e descuidada com o melhoramento dos utensílios e o advento da perniciosa mania de que o que vem de fora é que é bom, e que levaria à introdução de muitas espécies alienígenas e agressivas para a flora local. Desta, onde estão agora os cedros do mato - em alguns locais conhecidos por zimbreiros ou zimbros – os loureiros, vinháticos, paus-brancos (ou paus-branqueiros), sanguinhos, azevinhos, tamujos e folhados, e quem os conhece hoje? A queiró (ou urze, nalgumas ilhas) lá se foi aguentando e é das poucas relíquias da laurissilva que pertence ao nosso quotidiano; a faia da terra também até certo ponto, e devido talvez à sua utilização como abrigo para plantas fruteiras.
Muitas destas espécies são endémicas, ou seja nossas e só nossas; a algumas foi-lhes dado até o nome que entre todas as plantas deste mundo as distinguirá: “Laurus Azorica”, o loureiro açoriano; “Erica Azorica”, a nossa urze ou queiró; “Picconia Azorica”, o pau-branqueiro de nobre madeira; “Frangula Azorica”, o sanguinho de flor vermelha, etc.
O olhar do passante recai na mesma, nos dias de hoje, sobre o verde profundo das árvores, mas praticamente só distinguirá as exóticas “Cryptomeria Japonica” de crescimento rápido, sob as quais pouco ou nada consegue sobreviver, alguns “Eucalyptus Globulus” e abundantes incensos, “Pittosporum Undulatum”, também ao que parece introduzidos inicialmente para abrigo de pomares. Verá também outras colonizadoras eficientes, como as canas, “Arundo Donax”, a ornamental e competitiva “Hydrangea Macrophylla”, mais conhecida decerto por hortênsia ou novelão, e as atraentes conteiras (em algumas ilhas, roca-da-velha ou cana-roca), “Hedychium Gardneranum”, que lá por serem bonitas não deixam de ser também uma boa peste de erva, e a pior das ameaças para a pobre e açoriana laurissilva.
Fui buscar boa parte destes nomes, científicos e sonoros, já se vê, a um pequeno e muito útil livrinho, pois a única coisa aqui que é da minha especialidade é a verificação diária da (quase) geral indiferença pública e privada pelo desaparecimento das “azoricas”, quer sejam vegetais quer não. Entretanto, dois aspectos me chamaram a atenção logo à partida no dito livro. Em primeiro lugar, o facto do seu autor ser um estrangeiro - o sueco Eric Sjogren; e em segundo, uma das frases com que inicia o seu precioso trabalho: este livro foi elaborado para turistas que se encontrem no arquipélago dos Açores ou planeiem visitá-lo…O itálico é meu.
Para turistas. E ainda há quem negue que quem está de fora vê melhor, e rapidamente se apercebe daquilo que a casa gasta. Depressa terá constatado Eric Sjogren de que os açorianos não se ralam excessivamente com as azoricas.
Na foto: tolpis azorica
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Que bela lição, senhora professora. Excelente! Aprendi muito, mas já agora permita-me que lhe faça uma pergunta: porque não referiu a faia, muito abundante na nossa ilha das Flores e, pelo menos na Fajã Grande, chamada “faeira”? Por não ser uma espécie endémica ou nem sequer ter sido trazida juntamente com o incenso, para os bardos protectores de pomares e hortas?
ResponderEliminarConheço o livro e é pena que ainda não se tenha feito um levantamento mais exaustivo da flora açoriana.
ResponderEliminarAliás o mais recente que conheço é um do DOP e disponível em:
http://www.horta.uac.pt/species/plantae/inicio.htm
Mas não me parece ter sido construído para "não-cientistas".
Relativamente à Faia (Myrica faya), é indígena mas não endémica. Ou seja, não foi introduzida como a criptoméria, mas não é específica dos Açores como as outras referidas pela Myriam.
http://www.horta.uac.pt/species/plantae/Myrica_faya/Myrica_faya.htm
Já agora e apenas a título de curiosidade, a "Faia-da-terra" é conhecida no continente como "samouco". Por cá a Faia é outra espécie: Fagus sylvatica.
Ainda bem que o Lineu decidiu usar latim!!! :-D
Obrigado pela explicação sobre a Faia. Já consultei o site indicado e pude observar as belas fotos onde são bem visíveis as bagas madurinhas que comi tantas vezes, quando criança. Já agora permita-me uma outra pergunta: conhece uma outra Faia existente pelo menos na Fajã Grande, mas muito rara e conhecida por “Faia do Norte”? Esta sim, era usada apenas para bardos, dava umas bagas verdes e tinha um cheiro bastante desagradável.
ResponderEliminarOLá Carlos
ResponderEliminarPela descrição parece-me que a Faia do Norte será o que também é chamado Incenso (pelo menos em São MIguel). O nome científico é Pittosporum undulatum.
Este site tem fotos e explicação sobre a especie. Caso eu tenha "acertado"....
http://www1.ci.uc.pt/invasoras/files/25arvore-do-incenso.pdf
Olá Cristina:
ResponderEliminarObrigado, mais uma vez, pela pronta e sábia explicação. No entanto, conheço muito bem o incenso, alimento fundamental do gado bovino, sobretudo durante o Inverno. O que na Fajã Grande chamavam “Faia do Norte” é bem diferente, não serve de alimento para o gado e é utilizada apenas como bardo para proteger hortas e campos.
Por favor, peça o meu telefone à Miriam e quando vier aos Viveiros de Castromil, contacte-me, pois moro perto e gostaria muito de conhecê-la.
Cara Prima,
ResponderEliminarAté me sinto mal! É que, descendente de açoriano, nascido na capital do país, interessado em muitas outras coisas que não botânica, o que posso eu dizer a propósito do teu artigo? Resposta óbvia: Nada.
Para não ficar calado, digo só que gosto da Natureza, de plantas e de árvores. Mas, verdade, verdadinha, aprendi alguma coisa.
Um abraço