segunda-feira, 18 de maio de 2009

Democracia

Eleições num pequeno círculo que me é próximo levaram-me a pensar na democracia. Pouco sei acerca das suas origens; tendo nascido num país onde, aos quinze anos, me forçaram a abandonar a história, o português e outras línguas, mai-la geografia (pois a alternativa a isto seria abandonar a física, a química, a matemática, a biologia, a geologia...) já se vê que nunca estudei história a fundo e dela pouco sei, consequentemente. Pensar que uma pessoa deveria saber de tudo pelo menos alguma coisa coloca-me sempre em situação delicada perante aqueles que, com enormes aspereza e convicções, declaram que os alunos têm disciplinas a mais e estudam coisas de mais, as pobres crianças! Mesmo para que é esta treta da filosofia (por exemplo), se o meu filho quer é ser engenheiro informático? E lá vou eu balbuciando argumentos a favor de uma boa cultura geral, sempre útil em meu entender, perante a maré fortíssima dos que a entendem como uma perda pura e simples de tempo e dispêndio inglório de energias.

Mas do pouco que sei, sempre sei o que é do domínio público, isto é, que se trata de um sistema onde cada um de nós livremente pode, através do voto, expressar a sua opinião acerca de quem pretendemos que nos governe ou nos represente, ao invés desse alguém ser meramente nomeado por outro alguém e cair-nos na sopa como mosca que não escolhemos nem sequer conhecemos. Sem dúvida que é um sistema aliciante. Ainda por cima o voto é secreto, donde não há que temer represálias (haverá quem diga: represálias? Nem pensar! Então há democracia ou não há?) pois podemos guardar silêncio acerca da nossa escolha, ou não guardar, conforme for achado mais conveniente. É sempre possível, por exemplo, dizer particularmente a algum membro da lista X que nela se votou, quando afinal se votou foi na Y, ou vice versa, ou ainda implementar a estratégia de dizer com a maior das sinceridades a um membro da lista Z que afinal se votou foi na W (neste momento é apropriado fazer um ar bastante compungido) mas não por causa do membro com quem se fala, mas de um outro que dela fazia parte. Como as listas integram vários membros, as combinações possíveis são em grande número. Também se pode, evidentemente, dizer que não se votou numa lista determinada porque um ou vários membros desta disseram que iam fazer coisas péssimas caso fossem eleitos (esta modalidade é também muito usada antes da votação). Na verdade, não disseram, nem seria de esperar que o dissessem, mas que importa? Jamais se poderá provar que não disseram...e sempre se poderá dizer que disseram, sim senhor, mas já não nos lembramos de quem nos disse que disseram. E dá para mais uns minutos de saborosa conversa.

Pasmada perante as complexidades geradas à volta do que me parecia simples, eu que afinal fui mesmo para as ditas ciências exactas e sou um bocado pão pão queijo queijo - uma por temperamento e outra por formação - dou comigo a pensar que deslindar estas meadas é decerto mais complicado do que decifrar o genoma humano. Pois se o voto é livre e é secreto, para que serão estas justificações? Tratar-se-á de mera verborreia, imbecilidade pura, ou terão inconfessável intenção? E é então que das profundas da memória vai surgindo uma velha anedota...era uma vez uma velhinha, ocupada em acender devotamente uma vela aos pés de uma imagem do arcanjo S. Miguel (talvez fosse na igreja matriz de Vila Franca do Campo, mas não tenho a certeza) quando eis que entra na igreja o senhor prior. Então, senhora Maria, acendendo uma vela a S. Miguel! Muito bem, devemos mesmo pedir a sua protecção...e para que é esta vela pequenina aqui ao lado? Ah, senhor prior, não leve a mal...o senhor se calhar não entende estas coisas...esta mais pequenina é para o diabo...Senhora Maria, a senhora está a acender também uma vela ao diabo?! Sabe, senhor prior, é que ele agora está por baixo mas amanhã pode muito bem estar por cima...quem sabe!

Esta velhinha, admitindo que existiu uma velhinha nestas condições, é bem de ver que não fazia a mínima ideia do que se entende por democracia nem de que existiu gente bem intencionada na Grécia antiga...e não é de admirar. De outros, é porém muito mais surpreendente que também não façam.

Ou talvez seja apenas a natureza humana, atávica e manipuladora, a dar a volta por baixo ao bom sistema.

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