Hoje de manhã fui à oficina de mestre Vítor, para que este me cortasse os pés de uma caminha de ferro. Será esta que, depois de bem calçada com sapatinhos de feltro, irá para a casa da Roseira.
Fiquei à espera pois mestre Vítor disse-me que seria rápido, o que afinal não se verificou. Depois de destroçadas duas lâminas da rebarbadeira (parece-me que o "ferro" de antigamente era melhor que o de agora, como quase tudo) sugeriu-me que voltasse de tarde.
Já se vê que comecei logo a pensar que afinal a despesa seria maior do que eu pensara, mas agora já está. Aliás, tinha de ser feito.
Enquanto esperava, meti conversa com um sr. que lá estava também, a quem disse que a cama era de minha avó, que por esse motivo tinha muito empenho nela, etc. Vai daí o sr. (que é o sr. António Resendes, dono da Casa da Madrinha, mas eu a princípio não o sabia) começa a falar de meu tio padre, que conheceu muito bem, quando tinha à volta de oito anos! E mais tarde, já em Ponta Delgada, quando tinha dezassete anos!
Seu pai, aliás, era a pessoa que cuidava da quinta, no passal da vila do Nordeste.
Depois de falar das primas, da madrinha e da Telma, parte que se dispensaria, mas que vem sempre por acréscimo, começou a contar.
E contou...que, na Grota do Bravo, aquando de uma cheia, e para que as casas não fossem inundadas, perante os gritos da população, derrubou, com o pé (já me tinham contado esta história, e na altura dito que com as mãos - a diferença não é grande, provavelmente usou pés e mãos para o efeito) o muro de pedra, para que as águas se escoassem para o mar e não penetrassem nas casas, sujeitando-se a ser também arrastado para o mar, ali junto do farol do Arnel;
Que no dia de um incêndio nas Courelas, em casa de um lavrador forte - isto é, abastado - entrou na casa em chamas, para salvar o cereal, saindo para grande espanto dos populares com um saco de trigo debaixo de cada braço, até que todo o cereal ficou livre de perigo! Eu ontem tinha andado a reescrever a história do "Príncipe", seu pai...logo me vieram as lágrimas aos olhos, é claro;
Que fora transferido para São Pedro, em Ponta Delgada, porque a comunidade local - pescadores, sobretudo - andava muito desviada da Igreja. Padre José logo modificou o horário das missas, porque entendeu que os pescadores não podiam ir à dita porque muito antes dela iam para o mar. Passaram a ir mais algumas pessoas, mesmo assim poucas. Padre José passou a ir com eles à pesca, e ao que parece quando estava presente a mesma era milagrosa, e traziam sempre muito peixe (não é que eu não creia na possibilidade dos milagres, mas provavelmente ele conhecia, empiricamente embora, os melhores métodos e sítios de pesca...na ilha das Flores, todo o lavrador é ou era também pescador, seu pai tinha um barco). Cada vez era maior a afluência à Igreja;
A certa altura, falava para os pescadores e demais pessoas na rua, sobre uma pedra do velho porto da Calheta, uma das zonas mais antigas do povoamento de Ponta Delgada, que mãos - reputo-as criminosas - um dia entaiparam, para em seu lugar colocar um incaracterístico parque de estacionamento...De tal maneira acorria o pessoal que um dia, disse-me este senhor, a camioneta para o Nordeste não pôde passar, e teve de parar, saindo os seus ocupantes, tal era a multidão...Este senhor estava entre os que sairam, para ouvir também Padre José, a prègar sobre um pedaço de baixio!
A igreja de São Pedro passou a estar aberta, de modo aos pescadores poderem ir fazer as suas orações às duas da manhã!
Tudo isto me disse este senhor. Até custa a crer...não tenho, entretanto, nenhum motivo para o supor mentiroso...
Neste momento em que escrevo à pressa com medo de me esquecer de algum pormenor, olhei para o lado. Na parede está o retrato do mesmo Padre José de quem me falaram hoje. E volto a pensar: mas, senhor, eu não sou digna...
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