quarta-feira, 29 de abril de 2009

Endeusamento rápido

A páginas tantas, a rainha Cleópatra, contrariada com a prosápia dos generais romanos, terá dito a Júlio César : Vocês tornam-se deuses muito depressa…

Hoje em dia, e pelo menos no nosso amado jardim à beira mar plantado, também há quem se torne não digo deus, mas pelo menos professor, muito depressa – e quer-me parecer que depressa demais, e com facilidades excessivas.

Examinemos rapidamente como se fabrica um professor em Portugal, nos dias que correm. Para começar, às licenciaturas via ensino candidatam-se não os melhores alunos, bem longe disso, mas os de secundário mais arrastadito, empurrados os exames de 11º e de 12º ano pela goela abaixo à custa de inflação nas classificações internas, como quem empurra um remédio amargo com uma bebida doce. Até há pouco tempo, Universidades havia que aceitavam alunos nesses cursos com média negativa em algumas disciplinas, o que seria de bradar aos céus se não parecesse ser aceite passivamente por todos ( e antes de prosseguir devo afirmar bem claramente, aplicando-se este tanto às minhas palavras presentes e futuras, que obviamente existem excepções – que afinal de contas, e se bem me lembro, apenas servem para confirmar a regra…)

Já por aqui começa mal a coisa, mas tem a sua continuação nas próprias Universidades, ou pelo menos em algumas (há as excepções, etc. etc.) Deste modo, nas várias disciplinas, o aluno que atingir a média de 9,5 valores por frequências ou testes já tem a cadeira feita, sem ter de prestar mais nenhuma prova do seu saber e competências naquelas especialidades. Nem procuremos saber como obteve o dito aluno a elevada classificação de 9,5 numa escala de zero a vinte, dado que não é incomum que a tenha conseguido através de processos reveladores de muita esperteza saloia…e de escasso saber científico. Mas ainda que tenha obtido tão brilhante média apenas à custa do próprio saber, convenhamos que da matéria leccionada, apenas interiorizou metade, restando-nos perguntar se meio saber é algum saber sequer. E curioso constatarmos aqui que mesmo entre professores universitários, alguns acham que conseguir tal nota é saber o mínimo, logo o suficiente ; eu é que teimosamente procuro que os meus alunos saibam o máximo, ingloriamente remando contra a tsunâmica maré.

Deste modo podemos admitir que um futuro professor termine o seu curso com média de dez valores ou à volta disso, sendo então admitido a estágio numa escola oficial. Embora permaneça ligado à sua universidade, onde terá de apresentar trabalhos de natureza didáctica e/ou científica, tem agora mais um avaliador : normalmente (mas nem sempre…) um professor algo mais velho e experiente, o orientador, que vai orientar o candidato segundo as suas próprias ideias do ensino e experiência docente.

Orientadores de estágio há muitos, e de diversos tipos. Não direi muito acerca destes, até porque já o fui também (que não fui eu na vida ?). Os mais velhotes, e nesse grupo me incluo, pasmam com a ignorância científica, a infantilidade espantosa, os caracteres deficientemente formados da massa que às mãos lhes chega – mas sabem que se reprovarem aquelas pobres criaturinhas que nem sequer têm toda a culpa do seu estado lastimoso, lhes farão perder um ano de vida profissionalmente activa…e mais certo é que lhes apliquem pelo menos a nota dez do que os convidem, por exemplo, a desistir de um estágio (quando não de uma profissão) para o qual não estão preparados, nem em termos científicos nem humanos. Os mais jovens, saídos da mesma fornada dos estagiários, decerto nem dão por nada e podemos prever que sejam mais pródigos nas notas que propõem, surgindo algumas bem superiores àquela metade de vinte.

No ano seguinte, um jovem nas condições que descrevi concorrerá aos quadros de uma escola, como professor profissionalizado.

Pouco importa que fale como um carroceiro, que moralmente seja duvidoso, que não saiba pegar em faca nem em garfo, que masque constantemente pastilhas elásticas, que mesmo na sua especialidade cometa erros capazes de fazer corar um mestre de obras - no nosso país é um professor encartado, a quem será confiada uma centena de alunos – que não será de admirar imitem, desde já e mais tarde, as posturas do seu mestre.

E antes que me esfolem viva (mas devo referir que não tenho excessivo amor à pele) vou repetindo que há, obviamente! excepções a tudo isto. Conheço algumas. Poucas. Pouquíssimas.

2 comentários:

  1. Minha Prima,
    Tens toda a razão na identificação da “doença”, mas, se me permites, temos de ir às “causas” primeiras de toda esta situação e essas são fáceis de identificar. Vejamos.
    Quando eram limitadas as vagas ao acesso ao ensino superior as universidades estatais formavam poucos, mas bons licenciados e deixavam para as universidades privadas o trabalho de licenciar o rebotalho; pois muito bem, com a chamada autonomia das universidades do Estado estas tiveram de lançar mão das propinas para conseguirem arredondamento do seu orçamento e, por essa via, entraram em concorrência com a universidades privadas disputando-lhes – pasme-se – a má qualidade dos alunos e foi assim que as médias baixaram até às admissões com negativa e passagem com 9,5. Mas dirás tu: — De que valia manter o rigor nas universidades públicas se nas privadas a rebaldaria era muita e entravam na docência os alunos delas provenientes? Também é simples a resposta, minha querida prima: — Bastava que, sendo o Estado o “patrão” dos professores, tivesse posto como condição que só aceitava (e estava no seu direito de entidade patronal) para docentes os licenciados das universidades públicas!
    Nada disto foi assim e temos o país e o ensino que temos! Tudo porque se dá largas ao facilitismo, ao populismo e a outros ismos que melhor será calar.
    Se o rigor tivesse sido a “moeda” circulante, até as universidades privadas poderiam – e deveriam – ter entrado por essa via, mas o que esteve sempre em jogo foram os arranjismos e os arranjistas.
    Felicito-te pelo brilhantismo e coragem das tuas lúcidas e interessantes crónicas.
    Um abraço

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  2. Bem sei que é como dizes, infelizmente.
    E não resisto a colocar um comentário de um dos meus alunos, ao aperceber-se de que as Universidades recebem subsídio "por cabeça": ó senhora! Mas nós não somos bois!
    Esperemos que um dia, quando o poder estiver nas suas agora jovens mãos, acabem de vez com as rebaldarias, e saibam aplicar o PIB da melhor maneira!

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