Ao fazer a pesquisa escrevendo a palavra "valores", o google dá-nos em primeiro lugar "ouro".
Se por um lado é verdade que não se deve (por inútil) falar de filosofia a quem tem a barriga vazia e não sabe onde encontrar comida nem hoje nem amanhã, por outro é certo que existem outros valores além dos monetários ou financeiros...
A observação das pequenas coisas que se passam no quotidiano pode dar-nos uma chave para a crise do mundo actual, crise que abrange - atrevo-me a dizê-lo - países tanto desenvolvidos como sub desenvolvidos.
Alguns exemplos, retirados do meu próprio dia a dia:
Por uma professora da escola onde trabalho foi feita uma campanha de recolha de roupas usadas para enviar creio que para S. Tomé. As roupas foram examinadas e separadas, com a intenção do transporte. A maior parte das peças era completamente inusável, fosse por quem fosse, e a responsável pela recolha tudo mandou para o lixo. Deste modo, quem deu aquelas roupas, nada deu, fez sim limpeza ao lixo que tinha em casa. Que se entende por dar?
Fraudes várias, copiar nos testes, conduzir de qualquer maneira (desde que a polícia não esteja por perto), deitar lixo para as ribeiras (se não for visto por ninguém, não faz mal), utilizar atestados médicos sem se estar doente - que é isto senão falta de valores? As pessoas deveriam já ter interiorizado que as coisas são o que são, e se devem fazer ou não, independentemente do facto de estar alguém a ver ou não, de alguém descobrir ou não.
Recusar-se a fazer seja o que for que não tenha imediata compensação monetária ou outra, ou que não envolva castigo pela sua recusa (lamentando eu num grupo de profs. que o desfile de Carnaval da escola se realizasse numa sexta feira, com prejuízo de um dia de aulas, e sugerindo que passasse a ser no sábado gordo, de imediato se levantou enorme grita: se fosse no sábado, eu não poria cá os pés!) Porquê? Não ganha ao sábado? E se apanhasse falta, viria? Que remédio! foi a resposta.
Ao entrar nas salas de aula, por vezes encontro as ditas completamente desarrumadas e até sujas (se teve lugar um teste na aula anterior, com desvio e arrastamento de mesas e cadeiras...). Quando me proponho e aos alunos a arrumar tudo, são invariáveis as respostas: Não nos compete! Quem desarrumou que arrume! As funcionárias que arrumem! E logo se sentam refastelados, enquanto eu vou arrumando tudo sozinha. Um ou outro, envergonhado, levanta-se e vem ajudar-me, mas não todos!
Invariavelmente, ao entrar às sextas feiras na sala A1, encontro o quadro competamente escrito, o apagador saturado de pó de giz, e o prof. que me antecede ainda em aula, durante o intervalo! os alunos pedem-me que lhes permita um intervalo...à custa de uns bons dez minutos da minha própria aula! Estão eles cá fora a engolir uma sandes em enormes dentadas, e estou eu a limpar tudo afanosamente, clamando no íntimo contra a falta de valores que é que causa "isto"!
Tais corrimaças e desmandos fazem os alunos - sobretudo os mais pequenos - pelos corredores da escola, que atravesso sempre a zona que conduz aos laboratórios com os livros e os braços à frente do estômago, a protegê-lo, pois não é improvável que um deles me atinja de frente como um míssil que não vê nem ouve. Desde que fui operada, então, redobrei as precauções! Porque o fazem? Serão animais irracionais? Não são, e até os animais irracionais aprendem...nunca ninguém lhes disse que não deveriam fazê-lo, e o porquê de o não fazerem...as minhas repreensões comedidas perdem-se entre os urros histéricos das funcionárias!
Raro é o aluno nesta escola, isto admitindo que exista algum, que segure as portas para os outros passarem, abrindo-as de encontrão, o vai vém da porta permitindo a passagem de uns quantos até que a mesma bata com estrondo. Como resultado adicional, para além da exibição da maior indiferença pelos outros, nenhuma das portas da minha escola fecha convenientemente, algumas estando mesmo amarradas com cordas. Note-se que se trata de edifícios novos e de portas novas, que terão uns cinco ou seis anos. Claro está que também, junto das portas, tenho o maior cuidado com a cara que Deus me deu! Então, menino, empurraste a Professora Teresa para lhe passar à frente, não deverias ser tu, antes, a segurar a porta para a senhora passar? Que a segure ela que não é aleijada! Nem é melhor do que eu!
Não é isto falta de valores? Não é isto, até, um falso entendimento da democracia (a professora não é melhor do que eu)? Não é isto o "só faço o que me dá proveito", "só não faço o que me dá castigo"? Efectivamente, na minha escola, ninguém é castigado por destruir portas ou seja o que for...e que, mesmo assim, devamos cuidar da res publica ultrapassa, decerto, o entendimento dos utentes...
Dou explicações a alguns alunos, de forma não inteiramente legal, dado que seria necessário pedir autorização à Direcção Regional para o efeito, considerado que é trabalho em acumulação. Na secretaria da minha escola dizem-me que não valerá a pena pedir autorização, porque mesmo não a dariam (já tenho reduções no horário por tempo de serviço) e além do mais a senhora não passa recibo, não é? Passo pois (e creio ser a única que passa). Dos olhares dos funcionários recebo a sensação de estar coberta de ridículo, que é como quem diz que me parece ter apanhado com um balde de excremento em cima.
Mais ninguém passa recibo de explicações, e de outras coisas, porque afinal o estado é um ladrão, explora-nos até à última e usa mal o nosso dinheirinho! Mas...se assim é...e talvez seja...o correcto a fazer não seria pôr no olho da rua esses governantes incompetentes e corruptos? E já agora, admitindo que muitos dos políticos são uns troca tintas, que só querem é o seu, que tal dar o corpo ao manifesto e ir para o lugar desses, procedendo então de diverso modo?
Obviamente, daria muito trabalho, traria muitos dissabores, criticar por detrás é sempre mais fácil - e quando chegar ao momento da votação, votar na continuidade, afinal. Nem sequer é mau de todo que os governantes (seja a que nível for) tenham os seus podres, caso em que poderemos estar mais ou menos confiantes em que não perseguirão os nossos com afinco! "Se a minha cabeça rolar, muitas rolarão!"
Nestes "engana se podes", "esconde-te que não vejam", "trata mas é de não seres apanhado" - se vão passando os tempos e enlameando as sociedades.
Estou convicta de que a crise de valores é a crise de Deus. Na realidade...se Deus não existe...ou, pelo menos (afinal, nunca se sabe...) existirá, mas está para lá quieto, aparentemente esgotado o stock de raios e coriscos - para que hei-de eu proceder "bem"? Desde que não seja apanhado pela polícia...nem caia na alçada dos tribunais...Um ou outro espírito digno, mesmo duvidando (talvez!) da existência do ser superior tentará proceder correctamente, que seja ao menos pela lei natural.
Não hão-de ser muitos. Não conheço nenhum, mas se o conhecesse olhá-lo-ia com admiração: é mais fácil proceder bem com Deus do que sem ele.
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