quinta-feira, 30 de abril de 2009

Lembro-me...

..de ter andado na faculdade de Agronomia e Silvicultura da Universidade de Luanda, isto nos tempos em que era meu objectivo conciliar a paixão pelas árvores com o amor ao ensino e ao ensinar. Como seria bom, pois, ensinar os jovens a popular as terras áridas com as boas e frondosas árvores que tudo nos dão, desde frutos a sombra, desde calor às fortíssimas traves - sustentáculo dos telhados e das paredes das casas, desde oxigénio a beleza para os olhos e abrigo para os passarinhos. E nem se falava ainda em aquecimento global, nem nos excessos de dióxido de carbono na atmosfera. Que tempos de inocência aqueles!

Nesses tempos, iniciei o curso com várias disciplinas interessantes, entre elas uma tal Botânica Agricola, em que se leccionavam temas de fisiologia vegetal. Agarrei-me ao assunto com entusiasmo, e lá fiz os testes escritos correspondentes, tendo obtido a média de dezasseis, que por acaso foi a mais elevada da turma. Já me via como engenheira silvicultora, conduzindo de botas de cano alto um batalhão de trabalhadores num campo desértico, com o verde futuro na imaginação. Entretanto, tinha de ir, antes de tudo isso, defender o meu precioso dezasseis...

Lembro-me de estar sentada sozinha, em frente do professor, muito nervosa, transpirando nas palmas das mãos (algo que jameis me tinha sucedido nem voltou a suceder) enquanto os meus colegas, sentados mais atrás, se preparavam angustiados para eles também e a seguir, defenderem as classificações obtidas. Como àparte, devo esclarecer que nenhum de nós ficou, porém, traumatizado pela tremenda agressão psicológica de fazer um exame oral. Cheio de bonomia, o professor (o Engº T.M.) foi-me fazendo perguntas...às quais respondi o melhor que pude e soube, esfregando as mãos nas calças de ganga. Mas o facto é que a pouco e pouco fui acalmando, eu conhecia aqueles assuntos, eram-me familiares e até agradáveis. Creio que cheguei mesmo a ser eloquente! E a certa altura o Engº T.M. disse-me: a senhora já confirmou sem dúvida o seu dezasseis, mas agora tenho aqui, para si, algumas perguntas mais difíceis...deseja continuar? Cobardemente, e contra a vontade do meu bom professor, que outra coisa não desejava senão subir-me a nota (talvez lhe parecesse que eu sabia a matéria a um nível um pouco acima do dezasseis...mas nada me daria de mão beijada...) recusei-me a continuar, alegando que o dezasseis estava muito bem e apropriado aos meus conhecimentos. E pus-me ao fresco, tratando de ir beber uma pepsi-cola no bar da universidade.

Fiquei com dezasseis em Botânica Agrícola, e passe a cobardia demonstrada, não fiquei nada mal. Guardei a amizade ao velho professor T.M., de quem as voltas da vida infelizmente me separaram por completo. Talvez possa ser, hoje, um professor jubilado do ISA, mas o mais provável é que ensine neste momento a sua especialidade aos anjinhos - se no céu se aprendem coisas sobre a vida das plantas verdes.

Belos tempos. Tempos de exigência e rigor, que porém não excluíam bondade, nem compreensão, nem entreajuda. Onde estais?

Não cheguei a ser engenheira silvicultora. Continuo a amar as árvores, é certo, mas de longe, com um amor inoperante, ignorante e bastante pacóvio - nada mais. Quiseram os fados que me tornasse professora, mas não de silvicultura; afinal de contas, das matérias que estão na base das árvores e dos homens: electrões, protões, fenómenos físicos e reacções químicas, que descrevem e justificam tanto o modo como funciona o cérebro humano como as correntes no xilema das sequóias. Tudo bem; o mal não está no assunto. Todos são bons, todos são úteis. O mal está no ensino.

No ensino de hoje, para que fique bem claro.

1 comentário:

  1. Parabéns! Esta tua excelente crónica fez-me lembrar um livrinho da escritora Ilse Losa, chamado “Beatriz e o Plátano”, em que uma menina, a Beatriz, luta para que não se abata um velho plátano, plantado numa praça em frente à sua casa. Vi-te, então, menina e moça destemida e corajosa a lutar com astúcia e valentia para que não se abata nunca a exigência, o rigor, a dignidade e a excelência, numa palavra, aquele pacote de virtudes que, afinal tu e eu, herdamos dos nossos antepassados, que nasceram e viveram lado a lado, entre rochas e grotões, vergados ao peso do trabalho mas sempre com o vento a dar-lhes no rosto.

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