Devo começar por dizer que dos dois dicionários que nesta casa tenho nenhum refere o termo "calduços", que pelo sentido, assim e tão somente, deduzo que sejam toutições, isto é palmadas no toutiço, coisa que um professor não pode dar aos alunos mas que, pelos vistos, eles podem dar ao professor, impunemente já se vê.
A palavra deve ser um regionalismo, mas o comportamento abrange mais vasta área.
Recordo-me de que, enquanto aluna do então 1º ano do liceu - hoje 5º ano - tive dois professores, padres ambos, mas no resto apreciavelmente diferentes.
Um deles, o Pe. J. F., leccionava Moral e Religião. Nunca castigava ninguém, embora ralhasse constantemente com a minha turma, inclusivamente interagindo fisicamente com os alunos mais traquinas e barulhentos, que agarrava e tentava tanto sentar nas carteiras como que se reduzissem ao silêncio, sem nenhum sucesso aliás. Certo é que nos idos da década de sessenta nenhum aluno levava muito mais longe do que isto as faltas de respeito a um professor. Quanto a mim, e por não ser por natureza excessivamente irrequieta nem faladora nas aulas, ficava tranquila na minha cadeira, a pensar isso sim, que no fim da aula talvez tivesse de me defender de algum colega que entendese que a minha atitude sossegada era inconveniente, pela moldura desastrosa que faria ao mau comportamento da generalidade dos demais.
Entretanto, dotada naqueles tempos de reflexos rápidos, bons pés e bons dentes, tal perspectiva não me afligia em excesso. Tempos em que não se falava de bullying - embora existisse. Um dos factos da vida era que uma pessoa tinha de se defender de agressões, por mais injustas que fossem; pois se o não fizesse seria tomada como saco de porrada e destinatária de brincadeiras estúpidas, e pronto.
Nunca me ocorreu fazer intervir um adulto em minha defesa em nenhuma das agressões de que também fui alvo, embora teimasse (perante a incompreensão de minha mãe) em ir de botas para a escola, mesmo no tempo quente, e isto por ter rapidamente percebido que com sandálias não se dão bons pontapés.
O Padre J. F., em resumo, era constantemente gozado e desrespeitado por todos, à moda daqueles tempos, que hoje será considerada soft.
O outro professor meu também padre era o Pe. Dr. M., que além de padre era licenciado pela Sorbonne (talvez em sociologia, mas não tenho a certeza) e leccionava Português e também Francês, creio. Todos o respeitavam. Nas suas aulas, ouviam-se as moscas, e mais a sua voz cuidada, a sua dicção perfeita - e por vezes as nossas vozes tímidas, mas isso só quando por ele questionados.
Cá por mim simpatizava com ambos, embora a simpatia pelo pobre sr. Pe. J.F. não deixasse de se apresentar embrulhada num pouco de piedade.
Durante muitos anos dei tratos à bola para perceber por que razão um era tão respeitado e o outro não. Já tenho algumas respostas. Quem me ajuda a encontrar mais?
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