segunda-feira, 29 de março de 2010

A escola que deixa morrer

Leandro Pires tinha 12 anos. Frequentava a Escola Básica 2/3 Luciano Cordeiro, de Mirandela. Atirou-se ao rio Tua, para um último ajuste de contas consigo. Nunca mais quis enfrentar os sistemáticos ajustes de contas que colegas mais velhos lhe faziam E que ninguém notava.

Foi vítima de repetidos maus-tratos. Num lugar onde devia estar seguro, onde não devia sofrer, a sua escola. Em Dezembro de 2008 já tinha sido hospitalizado, na sequência de agressões feitas por colegas naquele lugar. Da participação que os pais fizeram então nada resultou.

Oito dias depois do desaparecimento de Leandro, o Ministério da Educação continua sem saber o que se passou. Seria estranho que soubesse. O Ministério da Educação só se preocupa com o que manda fazer nas escolas. Não com o que lá se faz. E, em muitas, faz-se o mal e a caramunha. Até se ajuda por distracção, como agora, a submergir nas águas geladas de um rio.

O Ministério da Educação tem culpas no cartório. Não esta equipa ministerial, em particular, que lá está há pouco tempo. Mas todas as que o têm dirigido nos últimos vinte anos. O que sobrou em renovação de instalações e dotação de equipamentos, faltou em recursos humanos, auxiliares de educação e restante pessoal, devidamente formado, que garantisse a segurança e a tranquilidade de um estabelecimento de ensino.

As escolas básicas, sobretudo de 2º e 3º ciclo, têm no seu interior o que lhes deixam ter. E o que cá fora se ignora ou silencia.

A aula ainda é o espaço menos problemático. Mas, mesmo aí, são continuados os episódios de barulheira pegada, de agitação, de bagunça, de palhaçada, de regabofe. Não em todas, mas muitas que impedem que se faça o que deveria ser normal, ensinar e aprender.

O recreio é o lugar onde tudo acontece. Mas ninguém sabe de nada. Os auxiliares de educação não vêem, nem querem ver. A maioria é constituída por mulheres. Pouco preparadas, como é natural, para lidarem com a brutalidade verbal ou física.

As direcções das escolas desvalorizam o sururu. Se não se falar em violência não existe. Os professores fora da redoma da sala de aula não querem saber de desgraças. E estas subsistem. Em muitos instantes.

O Ministério da Educação e a escola não estão sozinhos. Há mais responsáveis. No fenómeno que hoje tem nome badalado - bullying - há carrascos e vítimas. E os pais de uns e de outras.

Pais dos primeiros que os não educaram, que não se deixam respeitar, que não se importam que os filhos não respeitem ninguém, que desvalorizam ou admiram os exercícios de virilidade dos seus rebentos, ou que mesmo os instigam à selvajaria. Já o disse noutro lugar. Não só pais do rendimento social de inserção. Também os há do rendimento real de ostentação. E do remediado rendimento de sustentação.

Pais das vítimas que não se apercebem dos silêncios, que não sentem os sinais de alerta, que não comunicam com os filhos porque o futebol ou a telenovela são mais importantes, que ignoram o que o herdeiro andou a fazer ou a sofrer durante o dia, ou que se intimidam com a eventualidade de ter de pedir à escola responsabilidades sobre o que acontece ao filho a quem confiaram a sua guarda.

Responsabilidades divididas equitativamente? Nem pensar. A direcção de uma escola tem o dever imperativo de saber o que se passa no seu interior. E proporcionar as condições de segurança e o ambiente de tranquilidade para a sua insubstituível missão educativa. E muitas não o fazem.

No dia em que as comissões de protecção de menores acordarem do seu torpor e meterem o nariz dentro da escola, ou que as direcções das escolas forem criminalmente responsabilizadas pelo que acontece nos seus espaços, talvez se possa prevenir a ignomínia do sofrimento de muitas crianças e a dramática morte abreviada de uma, literalmente, só.

Alberto Quaresma

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